quarta-feira, 22 de outubro de 2014

KITESURF


KITESURF

 
Foto: Juvenal Canto
Texto de Fernando Canto

                Para o velho RauzitoT., pioneiro do windsurf nestas águas de Heráclito

 As vírgulas comprimem sons gramaticais
Que a brisa sopra
E forma apostos frasais no alvo céu
Aleatórios - na tarde cênica

Em que me ardo e esfrio

Ao vento membranoso da cidade

 
Foto: Juvenal Canto
Comprimo meu olhar
Ao objeto manobrado
(Em digressões sentimentais)

Entre parênteses forjados
Entre vírgulas dobradas

Nada é verdadeiro:
Aspas tomam conta da cidade

(((,,,,,,  “ ...” ,,,,,,)))

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

CONVITE RETROSPECTIVA OLIVAR CUNHA


Convidamos os interessados em artes plásticas para a retrospectiva de 46 anos de atividade artística do pintor Olivar Cunha, em uma exposição relâmpago.
A exposição será uma oportunidade única para conhecer a trajetória do artista e de sua evolução técnica em diversas fases experimentadas nos caminhos da arte.
Natural do Amapá, o artista reside atualmente em Vitória-ES e encontra-se na Amazônia para revigorar seu processo criativo, no qual permeia sempre as temáticas regionais.
Venha visitar a exposição e valorizar a produção do artista amapaense.
Serviço
Local: Avenida Raimundo Álvares da Costa, nº 2706 – Santa Rita (entre as ruas Paraná e Santa Catarina)

Data: Dia 23 de outubro de 2014, quinta-feira
Horário: de 19h00 às 24h00

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

CONVITE


Convido todos os amigos para o lançamento de meu livro a ser realizado no hall da Rádio Universitária, UNIFAP, a partir das 17:00h do dia 15/08/14 (sexta-feira).
Na ocasião serão lançadas, também, mais dez obras de autores da comunidade unifapiana que se habilitaram ao primeiro edital da Editora Universitária.
Desde já, agradeço o comparecimento de todos.


FERNANDO CANTO

quinta-feira, 10 de julho de 2014

Parabéns, Leonardo Mont'Alverne


Há oito anos escrevi a crônica abaixo e a publiquei no Jornal do Dia. Hoje meu querido neto Leonardo Mont’Alverne faz dez anos. Parabéns, Leléo. O carinho é sempre o mesmo.

 
NETOS, AVÓS E PARENTESCO (*)

Fernando Canto

            Imagine aquela pessoa chegar, adentrar o seu quarto e começar a mexer em tudo, a apertar botões, tirar as coisas do lugar, jogá-las no chão, e você fica ali. Parado. Sem dizer nada. Esperando o desfecho das coisas com passividade e calma. Não. Não é um assalto, não há nenhum bandido lhe ameaçando.  
           
É seu neto de dois anos que chegou para mais uma visita ansiosamente esperada. Mais bobo ainda, você o convence a bagunçar mais, a fazer festa com controles remotos, com o ar condicionado, o rádio, e qualquer outro objeto que estiver no local. E ainda participa de coisas que até então não admitiria que seu filho fizesse. Jamais deixaria que as pessoas vissem o seu garoto como um mal-educado, sem formação familiar, alguém descontrolado, sob pena dos olhares de censura. Mas não é o seu filho. É o seu neto de dois anos que está ali. Desfrutando, talvez uma liberdade imensurável que a liberalidade dos avós permite em nome de um sentimento que só se conhece quando se é o pai do pai, mesmo torto, o padrasto do enteado, mas referência inelutável de parentesco.

            O mito de que uma criança criada pela avó pode ter desvio de caráter no futuro não passa de um preconceito arraigado. É possível que a ausência dos pais, nesse caso, leve ao excesso de mimos e de satisfações de vontades. Há quem diga que a relação avós/netos é a oportunidade que os primeiros têm de consertar os erros que cometeram com os filhos, dando aos segundos o que não puderam dar a estes.                  

            Aliás, voltando à questão do parentesco, sabe-se que é um termo pouco preciso para denominar relações entre pessoas, baseadas em certas formas de afinidade comum, real ou suposta. Para a sociologia é preciso reconhecer a distinção entre parentesco meramente biológico e parentesco socialmente reconhecido. Supõe-se que pode haver ligações consangüíneas às quais falta o reconhecimento social, aonde a consangüinidade não conduz a nenhuma forma de relação social. Já o parentesco socialmente reconhecido nem sempre repousa sobre uma base realmente consangüínea. Portanto, hoje o parentesco é de uma classificação mais complexa, mormente se se levar em conta os divórcios e os casamentos que separam e unem ex-famílias nucleares para a formação de outras. E isso é muito característico das sociedades ocidentais, que também são consideradas num sistema de parentesco como bilaterais, pois os parentes são pessoas do lado dos dois pais. A confusão se forma quando não há consangüinidade, apesar dos filhos dos dois pais diferentes e unidos pelo casamento sejam agora “irmãos”.

            Não é bem isso que eu queria dizer quando falo do meu neto torto. ( – Torto é o avô, diriam). Porém as condições de amar revelam que a consangüinidade não é tudo. Um carinho é um caminho bastante usual para a conquista, mas a atenção excessiva que permite o neto ser o rei e reinar, ser o centro das atenções e saber disso, levam à satisfação de que independentemente de parentesco temos que dar às crianças o máximo possível de amor. Pois o amor, seja ele qual for, é o “produto” garantidor da nossa existência na memória delas.

(*) Publicado no Jornal do Dia em 2006.

sexta-feira, 25 de abril de 2014

PAVÃO E O MARABAIXO

      
Foto disponível em:
 www.federacaofolcloricadoamapa.blogspot.com
Em maio vai fazer cinco anos que o Mestre Pavão nos deixou. Reproduzo esta crônica que escrevi sobre ele, com uma grande saudade no coração.

O ÚLTIMO VOO DO PAVÃO *
 Fernando Canto
      Na segunda-feira, 11 de maio, o mestre Pavão bateu suas belas asas para nunca mais.
       O homem do Marabaixo partiu para encontrar-se com seus ancestrais, os mesmos que lhe ensinaram a tocar tão bem a caixa, o tambor que anunciava bons augúrios nas tardes do Laguinho.
Com ele Pavão comunicava a seus pares, os agentes populares do sagrado, que a festa do Divino e da Santíssima Trindade já tinha início. E todo um ritual deveria ser obedecido, desde o Domingo da Aleluia, passando pelos preparativos da seleção dos mastros nas matas do Curiaú, até a sua derrubada e escolha dos próximos festeiros no Domingo do Senhor. Com ele se foi um arcabouço cultural de grande valia para a memória do nosso patrimônio imaterial. Foi-se também a sabedoria dos que fazem acontecer as manifestações mais legítimas do povo. E restou apenas o espanto dos que ficaram.
Doente, não mais participava ativamente dos eventos do Marabaixo como nos velhos tempos, mas sempre dava um jeito de ir em sua cadeira de rodas aos mais importantes, para ouvir o rufar das caixas  e ver as saias da negras velhas rodarem sob o ritmo intenso oriundo de além-mar.
            Pavão levava muito a sério o que fazia no Marabaixo. Até brigava por ele. Seu amor pelo folclore certamente foi herdado do avô Julião Ramos, o grande líder negro, que na época da implantação do Território Federal do Amapá disseminou o ritmo e a dança para todo o Brasil.
No domingo, véspera da sua morte, sua filha Ana perguntou-lhe se ia ao Marabaixo do Dia das Mães na casa da Naíra – uma das festeiras deste ano no bairro do Laguinho. Ele disse que não ia porque estava indisposto, mas mandou todo o pessoal de sua casa para lá, pedindo que não deixassem a ”cultura morrer”. Mal sabiam todos de sua casa que a cultura do Marabaixo, nele impregnada, estava morrendo um pouquinho com ele.
            Justo que consideramos a memória como o deciframento do que somos à luz do que não somos mais, a morte é o abismo que tudo leva e engole inclusive o segredo da identidade, aquilo que nos pertence social e culturalmente. Posto isto, quantas conversas não foram abruptamente cortadas numa gravação para um trabalho de conclusão de curso dessas tantas faculdades da capital? Assim sendo, o que restou de seus depoimentos, desse depósito memorial tão importante para que se analise o Marabaixo? Ora, sabe lá quantos pesquisadores egoístas guardam suas fitas encarunchadas e vídeos empoeirados que nunca vão se abrir para ninguém?
            Mestre Pavão a todos respondia com a maior paciência, paciência esta que aprendeu a ter com a doença intratável que lhe fez perder uma perna. Mestre Pavão dava a todos o seu conhecimento vívido e vivido intensamente em setenta e dois anos de repetição ritualística que a sua memória avivava e exprimia no vai-e-vem dos olhos.
            Aqui peço licença poética ao escritor moçambicano Mia Couto que escreveu o “Último Voo do Flamingo”, para parafraseá-lo, dizendo que o nosso pavão alçou seu último voo na tarde amena de maio. Um voo curto, é certo, porque pavões não voam quase nada, mas são aves do paraíso por excelência.
Sua luxuriante plumagem em profusão de dourados, verdes e azuis à luz do sol reflete uma miríade de cores, onde o vermelho e o branco parecem estar presentes como se preparando para um desfile da Universidade de Samba Boêmios do Laguinho, a escola do coração do mestre. Convém lembrar aqui que o simbolismo do pavão carrega as qualidades de incorruptibilidade, imortalidade, beleza e glória, que por sua vez se baseia em outro aspecto além destes: a ave é predadora natural da serpente, e em certas partes do mundo, mesmo seu aspecto maravilhoso é creditado ao fato da ave transmutar espontaneamente os venenos que absorve do réptil. Este simbolismo de triunfo sobre a morte e capacidade de regeneração, liga ainda o animal ao elemento fogo.
            Fogo, sim, do Marabaixo quente, do “Caldeirão do Pavão” com seu caldo revitalizador do carnaval que tanto o mestre amava e por isso se enfeitava nos áureos tempos dos desfiles da FAB. Vai em paz, Pavão, tua plumagem tem cem olhos para vigiar o que deixaste entre nós.


*Publicado originalmente em A Gazeta (maio de 2009) e depois no livro Adoradores do Sol, de minha autoria (Scortecci, São Paulo, 2010.)

segunda-feira, 21 de abril de 2014

O JUIZ E O JOGO POLÍTICO

Fernando Canto
Sociólogo
            Pensando nas eleições deste ano no Brasil, e especialmente no Amapá, resolvi falar um pouco da cultura grega clássica, dos homens e mulheres que viveram entre os séculos V e VI a.C. na cidade grega de Atenas, chamada por Platão de Sophia. Essa palavra grega significa um tipo especial de sabedoria que une a teoria à prática, pois eles eram pessoas que filosofavam e praticavam o que pensavam, de acordo com  a jornalista Ana Beatriz Magno.

            Os gregos encenavam tragédias, discursavam sobre a educação e tinham escolas para onde mandavam os meninos e praticavam a democracia com convicção. Magno informa que a cada doze meses sorteavam um quinto dos 40 mil cidadãos de Atenas para ocupar os principais cargos públicos. O sorteio acontecia na Ágora, um misto de praça, mercado e assembleia. Os mandatos eram renovados anualmente e ninguém podia permanecer no mesmo cargo. Segundo a autora, se você era juiz num momento, no outro podia ser soldado. As decisões importantes eram tomadas em grandes assembleias, realizadas mensalmente com a participação de todos os cidadãos. Todos em termos, diz a autora, pois a mesma Grécia clássica e heroica excluía mulheres e escravizava estrangeiros. Só os machos, adultos e livres podiam ser considerados cidadãos. Mas, apesar dos preconceitos, não se pode apagar o valor de um dos períodos mais férteis da humanidade.                                                    Eles também inventaram todo um cotidiano de práticas e prazeres, tais como as padarias, teatros, termas e os jogos olímpicos, estes sempre em homenagem a Zeus, em Atenas. E nunca em tempos de guerra. Os atletas competiam nus e qualquer pessoa podia assistir - menos as mulheres casadas. As desobedientes pagavam com a vida, jogadas do alto de uma rocha. Conta-se que só uma mulher rebelde, chamada Calipatira, foi perdoada, pois corajosamente invadiu a arena para abraçar o filho vitorioso.
            Por ser o clima muito seco e quente no verão e frio e úmido no inverno, Aristóteles, que foi discípulo de Platão e mestre de Alexandre, o Grande, sugere em um dos seus mais eruditos textos, “Os Meteorológicos”, que a ascensão e a queda de grupos políticos e militares da Grécia eram determinadas pelas mudanças do clima.
            Mas embora saibamos que o determinismo geográfico é uma teoria etnocêntrica, sentimos no ar um clima variante e sempre cheio de factóides e verdades na Sophia amapaense. O mercúrio fica dilatando e retraindo em todos os termômetros políticos; partidos e candidatos dançam a valsa dessa oscilação; o povo anda ofegante, na expectativa das decisões.
             É que vão começar as olimpíadas da política amapaense. Porém, quem apitará o primeiro jogo é o governador. Ele é o dono do apito e do cronômetro. Tudo depende de sua decisão, mas ainda não levantou o braço, apenas adverte os jogadores, dizendo que eles poderão ser penalizados se transgredirem as regras. A tensão é muito grande. Até as torcidas, na Ágora, reclamam, ainda que curiosamente não ofendam o árbitro. Os nossos atletas também estão nus, por enquanto despidos de suas vaidades. São gregos, troianos e bárbaros, ávidos para iniciar seus esforços. Mas não dá. O árbitro não apita, apenas olha o cronômetro.
            Mulheres, velhos e adolescentes levantam-se em “ola” na torcida. Parecem mais aborrecidos quando o locutor anuncia que haverá um “minuto de silêncio”. Então protestam. Ora, todos são cidadãos, não mais como na democracia grega.
            Finalmente parece que vai começar. Mas um relâmpago anuncia a trovoada, que vem seguida de um toró amazônico sem igual. O clima fica meio frio, a água alagou o campo. Todos vão embora junto com a luz, pois o sistema elétrico do local ficou danificado.

            No campo, entre a iluminação dos relâmpagos e raios, ficam os jogadores e o juiz, congelados, até o recomeço do jogo no dia seguinte. Mas só o juiz sabe que depois do jogo não poderá mais permanecer no mesmo cargo. Será um soldado ou um general nessa partida da cidadania.

sexta-feira, 4 de abril de 2014

BURACOS

Disponível no blog De Rocha: eltonvaletavares.blogspot.com
Texto de Fernando Canto

Buraco do clécio, buraco do roberto, buraco do joão, buraco do barcellos, buraco papaléo, buraco do capi, buraco do azevedo, buraco dos indicados, buraco dos intendentes. Buraco do historiador, buraco do poeta, buraco do (e)leitor. Buraco fodido do povo.

Buraco de papel, buraco dos otários, buraco do orçamento, buraco do buraco, buraco do aeroporto, buraco de fraque e colarinho, buraco mercantil, buraco comunista, buraco balacobaco, buraco babaca imagina na copa. Buraco do dia, buraco da noite, buraco belle de jour. Buraco del culo de tu madre. Buraco do equador, buraco pélago do Bailique, buraco da preamar, buraco do tamanho do amazonas.

Buraco invisível, buraco olho de japonês lá no fundo do poção, buraco voyeur, buraco do coração partido, buraco da minha esquina, buraco do mecânico ricaço-novo, buraco enlameado, buraco lama gulosa, buraco condescendente, buraco homo, buraco hetero, buraco falo, buraco sexualmente transmissível, buraco aidético. Nenhum buraco é ético. Buraco de propósito, buraco amarelo, buraco vermelho, buraco verde, buraco azul, buraco negro.  Nenhum buraco é branco.

Buraco de dez metros, buraco do poço, buraco baixo, buraco largo, buraco sepultura, buraco celular, buraco zap-zap, faceburaco baco,  buraco kkkkk, buraco reflexo da lua, buraco aniversariante com bolo e a primeira fatia vai pra quem? Buraco titã, buraco voador, buraco que geme, buraco sindicalista, buraco grevista toda semana, buraco alcóolatra, buraco liamba, buraco ayahuasca, buraco tralhoto, buraco sugador, buraco candiru, buraco vulcão, buraco laguna, buraco igapó, buraco que ri da gente todos os dias de manhã.

Buraco da droga, buraco do noiado, buraco do palhaço, buraco da cachaça, buraco corrupto, buraco carnaval do sambódromo de pista escorregadia, buraco cem mil marcos zeros, buraco raio que o parta, buraco chove de baixo pra cima, buraco forró universitário, buraco tecnobrega, buraco quebra-canela, buraco hip-hop do mc, buraco funk rebola que eu quero ver, buraco pagode cada qual no seu quadrado buraco televisivo, buraco programa matinal de rádio, buraco musical desafinado que só ele. Buraco, buraco, buraco. Buraco do meio da tua bunda porque o meio do mundo está um buraco. Buraco ponto final.

sexta-feira, 28 de março de 2014

LOS TIRANOS DE NUEVA ANDALUZIA

O texto abaixo (escrito ainda em Macapá, em 1986) é um dos três poemas do meu livro “Fedeu, morreu”, publicado pela Fadesp-Pa, com o apoio do Núcleo de Arte da UFPA, em 1992. O prefácio foi escrito pelo poeta paraense Antonio Juraci Siqueira.
O motivo desta publicação é uma alusão ao coup d’État que obscureceu o país durante 21 anos. O Amapá e muitos amapaenses também sofreram na pele as consequências do regime nefasto. Ditadura nunca mais!

LOS TIRANOS DE NUEVA ANDALUZIA
  Para Leonardo de Vilhena e

Osvaldo Simões Filho

 O PRIMEIRO
Quando o primeiro tirano chegou
O povo foi às ruas olhar sua cara de pedra
Sua galhardia atenuava o ódio popular
Pois era um exímio cavaleiro
Mesmo carregando quilos de medalhas coloridas

Tal como um robô, tirou de dentro da gandola
Um rolo imenso de papel
Pra num discurso interminável
Hipnotizar o povo que, letárgico
Concordou com as decisões de arbítrio
E a instituição do “Imposto sobre a Paisagem”
- Tributo cobrado estranhamente
Nos seus costumeiros aparecimentos públicos

Ordenou a seus imediatos
A elaboração de um Plano de Governo
Cuja meta prioritária era higienizar a plebe
Através de banhos sistemáticos
Do corpo e da alma
Que consistia no que falavam
“Educação para o Progresso”

Anos depois, “O Brilhoso”, como era chamado
Rouco de tanto discursar e dar ordens
Saiu a galope e olhou sobre a cidade
E, como que antevendo o futuro
Transfigurou- se em estátua equestre
Que por longos anos simbolizou sua tirania.



 O SEGUNDO
 No mesmo dia chegou o segundo tirano
Balançando as mãos de aço
Prometendo dar ao povo
Uma felicidade relativa
Desde que todos se curvassem ao seu passar
E beijassem vez- em- quando sua imagem
Que mandou pregar nas portas
E nas escuras galerias dos prédios públicos

No seu mandato as prisões se encheram de agonia
Pois controlava um imenso território
Onde insurretos contestavam suas mentiras
E por isso não voavam e nem corriam

O que tomava conta do tirano era a iracúndia
Ao observar a abundância de aves maviosas
A cantar e voar pelos ares
Saboreando o colorido das manhãs

Espumante como um cão raivoso
Decidiu incrementar a economia
Incentivando a criação de indústrias nobres
Para o fabrico de bodoques e gaiolas

Promoveu concursos de tiro a passarinhos
E premiou com ouro a quem lhe trouxe
A ave mais canora da região
Para ser sacrificada em holocausto
Num ritual orgíaco e macabro
Para centenas de convivas coagidos

 O TERCEIRO

Quando foi substituído pelo terceiro tirano
Os funcionários comentavam nas repartições
Que muitas cabeças haveriam de rolar nas avenidas

Vestidos como um dândi, narcisista
O novo tirano também era exigente e áspero
Instituiu que cada sala de qualquer prédio com teto
Seu retrato afixado fosse entre Cristo e o tirano Federal

Passou o tempo e a liberdade apodreceu de mão em
Mão
Induzida por veículos comunicadores de mentira.

Como ninguém ousou conjeturar sua legitimidade
O tirano fazia festas explodindo sua libido
Sob um pálio, em frente a espelhos embaçados

Um dia, exasperado com a chuva
Que estragou sua adoração pública
Mandou queimar todos os livros de meteorologia
E engaiolou todos os bibliotecários
Então surgiu a idéia de construir
Um enorme palanque de fibra amarela
Para abrigar da tempestade seus trajes majestosos

Em certa data comemorativa a chuva não parou
E rompeu- se a estrutura do palanque
- Uma obra de arte cara, calculada pelos
Melhores engenheiros

Após o estrondo e mil minutos de silêncio
Quando dissipava a branca bruma matinal
Surgiu no porto, em passo firme, o outro:
Viera conhecer o seu oitavo mar de lama

 O QUARTO

Com seu uniforme branco andava pelas ruas
Assoviando uma canção húngara
Atrás vinha um cortejo estapafúrdio
Objetivando lavar suas galochas sujas de medo

Uma vez por mês esse tirano
Mandava incinerar os cães que ladravam na cidade
Determinou, inclusive, que todo homem, fora ele
Seria morto
Se não regasse um espinheiro às cinco da manhã

Assinou decretos- leis abolindo o uso de banheiros
E enfatizou no rádio
A obrigatoriedade da cópula diurna

Um mistério rondava os ares palacianos...
Até o bobo oficial da corte, “O Cínico”,
Indagava:
- O que meu chefe pensa sobre a agricultura?
Mal sabia o bobo que o tirano
Ao meio de suas vestes brancas suspirava
Penetrando em si longos espinhos

Certa vez a noite chegou pensa
E o marinheiro perdeu um olho numa queda

Cego pela dor estonteante
Arrebatou as jóias e o ouro dos impostos
E zarpou, como um pirata
para singrar outros mares enlameados

 O QUINTO
 Faminto, o povo desmaiava pelos mercados
Quando chegou o quinto tirano
Este era um velho que coçava o corpo a toda hora
Nem bem aportou foi devastando tudo o que sobrara
Com a avidez de quem atravessou o deserto
Corrompendo lagartos transeuntes
E andorinhas que habitavam os fios elétricos

Adorava receber presentes eletrônicos
Mas vigiava os cidadãos com uma luneta
Contava das vantagens do progresso
E em nome da democracia que insinuava
Falava de ordem social como sua meta
Já que nos bares os civis dialogavam

Incentivou a imprensa e a construção civil
Porque uma faria a outra continuar
E a cada obra construída era seu nome
Que o jornalismo glorificava para a história

Nos bastidores transformava cargas
Em dinheiro
Visando desestabilizar o futuro
Mesmo descobertos os atos abscuros
Que por pouco não provaram, mas proveram
As promessas de voltar para ficar

Um tempo explodiu no horizonte
Era a claridade que todos esperavam
Assim mesmo o tirano só foi embora
Num avião carregado de fortuna

 O SEXTO
 Trocados os galões pelas gravatas
O povo recebeu seu governante
Sob uma festa inesquecível e longa
Que durou noites e mais noites de esperanças

Quando a banda parou de tocar
O novo tirano discursou, segurando o pescoço:
“Convoco-vos, irmãos, meus queridos irmãos
A não perder a espuma dessas nuvens
E a furar a dureza das pedras das estradas
Onde tanto andei quando mais novo

“Foi preciso sangue, foi preciso faca
Para motivar a luta e vencê-la
Pois é nula a placidez do rio
E inútil as entranhas do peixe fora d’água

“Vós, irmãos, homens desta bela terra
Sabeis da abundância do brutal
Que enlameou durante anos vosso povo
Mas sabeis também da existência do movimento
E da solidez dos ossos

“Ficai de pé e olhai pro céu
Carneirinhos, carneirões
Porque ainda que venha a doçura do mel
E o perfume das flores
Nascidas no cemitério
Urge abrandar a fúria do dinheiro
Penetrante em vós
Como o sol pela peneira
E que pouco a pouco engole vossas naturezas

“Não vim disseminar o desprezo nem o medo
Eu  vim para incentivar o trabalho
Vim para pregar a religião e a Glória de Deus
Vim para que devagar, bem devagar
Somemos nossos esforços
Em prol de uma democracia justa e imensurável”

O tempo passou, o tempo passou, o tempo passou...
Lento, como as vigilengas pelo rio
Passaram as eleições, as promessas
As premissas, as confabulações...

Reuniram- se Governo e povo
Em classe, associações, partidos
Pela democracia exigiu- se rapidez e decisão
Para pôr em ordem as questões fundamentais
E implementar as trinta mil metas prioritárias

No pescoço do tirano não cabiam
Mais guizos nem pelhancas
E suas palavras
Antes emprenhadoras dos ouvidos
Foram perdendo força diariamente
Num claro exemplo de incerteza no horizonte

Foi então que o povo novamente se reuniu
Para cogitar e especular, mas sem ter força
O nome do próximo tirano
  
OS FUTUROS
  
Dizem que virá o sétimo, o oitavo
O nomo, o décimo...
O macaco, o porco, o rei dos animais...
Ou um novo Leviatã

Dizem que é provável a volta de um tirano
Embriagado de poder, para poder
Vasculhar pelos escombros
O tesouro que deixou escondido

- Como tantos o fizeram -
Entre os granitos
De uma velha fortaleza
  

Macapá, Setembro de 1986.