Há oito anos escrevi a crônica abaixo e a publiquei no Jornal do Dia. Hoje meu querido neto Leonardo Mont’Alverne faz dez anos. Parabéns, Leléo. O carinho é sempre o mesmo.
NETOS, AVÓS E PARENTESCO (*)
Fernando Canto
Imagine
aquela pessoa chegar, adentrar o seu quarto e começar a mexer em tudo, a
apertar botões, tirar as coisas do lugar, jogá-las no chão, e você fica ali.
Parado. Sem dizer nada. Esperando o desfecho das coisas com passividade e
calma. Não. Não é um assalto, não há nenhum bandido lhe ameaçando.
É seu neto
de dois anos que chegou para mais uma visita ansiosamente esperada. Mais bobo
ainda, você o convence a bagunçar mais, a fazer festa com controles remotos,
com o ar condicionado, o rádio, e qualquer outro objeto que estiver no local. E
ainda participa de coisas que até então não admitiria que seu filho fizesse. Jamais
deixaria que as pessoas vissem o seu garoto como um mal-educado, sem formação
familiar, alguém descontrolado, sob pena dos olhares de censura. Mas não é o
seu filho. É o seu neto de dois anos que está ali. Desfrutando, talvez uma
liberdade imensurável que a liberalidade dos avós permite em nome de um
sentimento que só se conhece quando se é o pai do pai, mesmo torto, o padrasto
do enteado, mas referência inelutável de parentesco.
O
mito de que uma criança criada pela avó pode ter desvio de caráter no futuro
não passa de um preconceito arraigado. É possível que a ausência dos pais,
nesse caso, leve ao excesso de mimos e de satisfações de vontades. Há quem diga
que a relação avós/netos é a oportunidade que os primeiros têm de consertar os
erros que cometeram com os filhos, dando aos segundos o que não puderam dar a
estes.
Aliás,
voltando à questão do parentesco, sabe-se que é um termo pouco preciso para
denominar relações entre pessoas, baseadas em certas formas de afinidade comum,
real ou suposta. Para a sociologia é preciso reconhecer a distinção entre
parentesco meramente biológico e parentesco socialmente reconhecido. Supõe-se
que pode haver ligações consangüíneas às quais falta o reconhecimento social, aonde
a consangüinidade não conduz a nenhuma forma de relação social. Já o parentesco
socialmente reconhecido nem sempre repousa sobre uma base realmente
consangüínea. Portanto, hoje o parentesco é de uma classificação mais complexa,
mormente se se levar em conta os divórcios e os casamentos que separam e unem
ex-famílias nucleares para a formação de outras. E isso é muito característico
das sociedades ocidentais, que também são consideradas num sistema de
parentesco como bilaterais, pois os parentes são pessoas do lado dos dois pais.
A confusão se forma quando não há consangüinidade, apesar dos filhos dos dois
pais diferentes e unidos pelo casamento sejam agora “irmãos”.
Não
é bem isso que eu queria dizer quando falo do meu neto torto. ( – Torto é o
avô, diriam). Porém as condições de amar revelam que a consangüinidade não é
tudo. Um carinho é um caminho bastante usual para a conquista, mas a atenção
excessiva que permite o neto ser o rei e reinar, ser o centro das atenções e
saber disso, levam à satisfação de que independentemente de parentesco temos
que dar às crianças o máximo possível de amor. Pois o amor, seja ele qual for,
é o “produto” garantidor da nossa existência na memória delas.
(*) Publicado
no Jornal do Dia em 2006.
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