(Do livro “Brecht Poemas –
1913-1956”, seleção e tradução de Paulo César Sousa, Brasiliense, 1987). Brecht
é mais conhecido no Brasil como um dos maiores dramaturgos contemporâneos, mas
também foi um grande poeta.
SALMOS
1. À noite, à beira do rio, no
escuro coração dos arbustos vejo às vezes seu rosto novamente, o da mulher que
amei: minha mulher, que agora está morta.
2. Faz muitos anos, e por vezes nada
mais sei dela, que era tudo, mas tudo passa.
3. E ela era em mim como um pequeno
zimbro nas estepes mongólicas, côncava com céu amarelo claro e grande tristeza.
4. Vivíamos numa cabana negra à
beira rio. Os mosquitos com frequência picavam seu corpo branco, e eu lia o
jornal sete vezes, ou dizia: teu cabelo tem cor de sujo. Ou: não tens coração.
5. Mas um dia, quando eu lavava
minha camisa na cabana, ela chegou à porta e me viu e quis ir.
6. E o que bateu nela até cansar
disse: meu anjo –
7. E o que havia dito: te amo –
conduziu-a para fora e olhou sorridente para o céu e elogiou o tempo e apertou
a mão.
8. Já que ela estava fora, e a
cabana ficou deserta. ele fechou a porta e sentou-se a ler o jornal.
9. Desde então não a vi mais, e dela
ficou unicamente o pequeno grito que soltou, ao voltar à porta de manhã, pois
já estava fechada.
10. Agora a cabana está apodrecida e
o peito entupido de papel de jornal, e ànoitedeito-me à margem do rio, no
escuro coração dos arbustos, e me recordo.
11. O vento tem cheiro de grama no
cabelo, e a água grita sem cessar a Deus, pedindo paz, e eu na língua tenho um
gosto amargo.
BALADA DA GOTA D’ÁGUA
NO OCEANO
1
O
verão chega, e o céu do verão
Ilumina
também vocês.
Morna
é a água, e na água morna
Também
vocês se banham.
Nos
prados verdes vocês
Armaram
suas barracas. As ruas
Ouvem
os seus cantos. A floresta
Acolhe
vocês. Logo
É o fim da miséria? Há alguma
melhora?
Tudo dá certo? Chegou então sua
hora?
O mundo segue seu plano? Não:
É só uma gota no oceano.
2
A
floresta acolheu os rejeitados. O céu bonito
Brilha
sobre desesperançados. As barracas de verão
Abrigam
gente sem teto. A gente que se banha na
Água morna
Não
comeu. A gente
Que
andava na estrada apenas continuou
Sua
incessante busca de trabalho.
Não
é o fim da miséria. Não há melhora.
Nada
vai certo. Não chegou sua hora.
O
mundo não segue seu plano:
É
só uma gota no oceano.
3
Vocês
se contentarão com o céu luminoso?
Não
mais sairão da água morna?
Ficarão
retidos na floresta?
Estarão
sendo iludidos? Sendo consolados?
O
mundo espera por suas exigências.
Precisa
de seu descontentamento, suas sugestões.
O
mundo olha para vocês com um resto de esperança.
É
tempo de não mais se contentarem
Com
essas gotas no oceano.
PARÁBOLA
DE BUDA SOBRE A CASA INCENDIADA
Gautama,
o Buda, ensinou
A
doutrina da roda da cobiça, à qual estamos atados, e
aconselhou
Livrar-se
de toda cobiça e assim
Sem
ambição penetrar no Nada, que ele denominou
Nirvana
Perguntaram-lhe
então um dia seus alunos:
Como
é esse Nada, mestre? Todos nós queremos
Livrar-nos
de toda cobiça, como nos aconselhas, dize-nos
porém
Se
esse Nada, no qual então penetraremos
É
talvez como um ser-um com tudo criado
Ao
deitar-se alguém na água, corpo leve, ao meio-dia
Sem
pensamentos quase, sem preguiça deitado na água,
caindo
No
sono, mal sabendo então que puxa a coberta
Afundando
rapidamente. Se esse Nada, portanto
É
assim contente, um bom Nada, ou se esse teu Nada
É
simplesmente um Nada, frio, vazio, sem sentido.
Longamente
silenciou o Buda, e disse então displicente:
Nenhuma
resposta para vossa pergunta.
Mas
á noite quando haviam partido
Sentado
ainda sob o pé de fruta-pão, contou o Buda
aos
outros
Aos
que não haviam perguntado, a seguinte parábola:
Há
pouco tempo vi uma casa. Queimava. A chama
Lambia
o telhado. Aproximei-me e notei
Que
ainda havia pessoas dentro. Cheguei à porta e
gritei-lhes
Que
o telhado estava em fogo, incitando-as a assim
A
sair rapidamente. Mas as pessoas
Pareciam
não ter pressa. Uma delas me perguntou
Enquanto
o calor lhe chamuscava a sobrancelha
Se
não soprava o vento, se não havia uma outra casa
E
coisas assim. Sem responder
Afastei-me
novamente. Estes, pensei
Têm
que queimar,até parar de fazer perguntas.
Em
verdade, amigos
Àquele
que ainda não sente o chão bastante quente
Para
trocá-lo por qualquer outro, em vez de lá ficar,
a
este
Nada
tenho a dizer. Assim fez Gautama, o Buda.
Mas
também nós, não mais ocupados com a arte de
suportar
Antes
ocupados com a arte de não suportar, e
apresentando
Sugestões
várias de natureza terrena, e aos homens
ensinando
A
desvencilhar-se dos tormentadores humanos, achamos
que
àqueles que
À
vista dos iminentes esquadrões de bombardeios do
Capital
gastam tempo a perguntar
Como
pensamos em fazer isto, como imaginamos aquilo
E
o que será de suas economias e de seus trajes de
domingo
após uma reviravolta
Nada
temos a dizer.
POEMAS
SOBRE O TEATRO
REPRESENTAÇÃO
DO PASSADO E PRESENTE EM UM
Aquilo
que vocês representam, procurem representá-lo
Como
se acontecesse agora. Encantada
A
multidão está no escuro, em silêncio, transportada
De
seu cotidiano. Agora
Trazem
à mulher do pescador o filho, que
Os
generais mataram. O que antes aconteceu
Neste
local se dissipou. O que aqui acontece,
Acontece
agora, e somente uma vez. A atuar assim
Vocês
estão habituados, eu lhes aconselho agora
A
juntar um outro hábito a este. Em sua atuação exprimir
também
Que
esse instante é repetido
Com
frequência em seu palco, que ainda ontem
Foi
encenado, e assim também amanhã
Bastando
que haja espectadores, haverá representação.
Do
mesmo modo, não devem fazer esquecer
Através
do Agora, o Antes e o Depois
Nem
tudo aquilo que agora mesmo acontece
Fora
do teatro, que é da mesma espécie
Tampouco
o que nada tem a ver
Devem
deixar inteiramente esquecer. Devem apenas
Destacar
o instante, e nisso não esconder
Aquilo
do qual o destacam. Dêem à atuação aquela
Característica
de uma-coisa-após-a-outra, aquela atitude
De
trabalhar o que se propuserem. Assim
Mostrar
o fluir dos acontecimentos e o decorrer
De
seu trabalho, e permitem ao espectador
Vivenciar
esse Agora de muitas maneiras, como vindo
do
Antes e se
Estendendo
no Depois e tendo agora
Outras
coisas mais ao lado. Ele não está apenas
Em
seu teatro, mas também
No
mundo.
PERCEPÇÃO
Quando retornei
Meu cabelo ainda não era grisalho
E fiquei contente.
Os trabalhos das montanhas deixamos
para trás.
Diante de nós estão os trabalhos das
planícies.
NO
NASCIMENTO DE UM FILHO
(Segundo
poema chinês de
SuTung-po,
1036-1101)
Famílias,
quando lhes nascer um filho
Façam
votos de que seja inteligente.
Eu,
que pela inteligência
Arruinei
minha vida
Posso
apenas desejar
Que
meu filho se releve
Parvo
e tacanho.
Assim
terá uma vida tranquila.
Como
ministro do governo.
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