O PÁSSARO MADRUGADOR
NÃO ACORDOU PARA CANTAR (*)
Fernando
Canto.
1. INTRODUÇÃO
De acordo com Kitamura (1994), a década de 70 foi
marcada por vários fatos que influenciaram na revisão do conceito de
desenvolvimento econômico. Nesse período cresceram as preocupações sobre os
seus indesejáveis efeitos, mormente no que se referia à qualidade do meio
ambiente.
Os países industrializados aumentam suas demandas de
matéria-prima aos em desenvolvimento. Estes, por sua vez, experimentavam a exploração
populacional e todos os problemas impostos pelo capital. Ao meio nasciam
crises, muitas das quais envoltas em visões pessimistas e até alarmistas sobre
o futuro do planeta. Cientistas neomalthusianos alertavam para o perigo de uma
superpopulação mundial faminta e a incapacidade de se produzir tanto alimento.
Organismos internacionais deslancharam uma série de eventos e conferências
pregando a contenção do crescimento econômico ilimitado, bem como alertando
para o esgotamento dos recursos naturais não renováveis, e os danos
irreversíveis que se poderiam causar ao meio ambiente.
O Brasil, já que vinha experimentando o modelo
convencional do desenvolvimento econômico sem limites, não se preocupou em
conter o avanço da exploração e da destruição da natureza. E suas políticas
públicas para o setor primário buscavam apenas o lucro, sem se preocupar com o
rastro de fogo que por mais de duas décadas ficou aceso e vagando pelos
quadrantes do território nacional. E principalmente na Amazônia, onde os mega-projetos
de desenvolvimento nela instalados também deixaram esperança e depois as marcas
da desolação.
Nesse contexto se marcou a história da agricultura
no nosso país.
2. A AGRICULTURA FAMILIAR É EXPLORADA
Por ser determinada pelos ciclos naturais e regulada
pelas leis do mercado capitalista, atividade agrícola familiar nem sempre
mantém um padrão produtivo que possa garantir sua sobrevivência. Tal condição
se dá por inúmeras causas, entre as quais à ligadas “ao próprio desenvolvimento
urbano-rural” (Índio Campos: 1994).
Essa dependência não é exclusiva da agricultura
familiar, posto que não é só no campo que as forças exploradoras do capital
estão presentes.
O conceito de agricultura familiar ainda hoje se
relaciona (ou se confunde) com o conceito de “pequena produção rural”,
desenvolvida pelo pequeno produtor: aquele que está presente na vastidão
territorial do país e que possui ou ocupa pouca terra, de qualidade inferior,
localizada nas condições mais difíceis. Tem renda baixa, utiliza mão-de-obra
familiar, a cooperação com vizinhos em mutirão, visando a subsistência de sua
família. Tem sistema de trocas – monetarizadas ou não – limitadas com os
mercados locais com vista à provisão de bens de consumo e com a reposição de
seus meios de produção (Weid: 1982).
A agricultura familiar combina sempre uma grande
variedade de culturas – intercaladas, sucessivas, permanentes e temporárias –
com uma pequena criação de animais, e emprega quase sempre trabalho braçal. É
considerada conservadora ou tradicional quanto à técnica de cultivo porque
repete o saber acumulado por várias gerações, usando aquilo que se indica como
mais apropriado na sua lógica de sobrevivência. Ela não resiste às inovações
tecnológicas só por ser contra a “modernização”. Os riscos inerentes à novas atividades
são grandes, principalmente o medo de endividamento. Mesmo assim, sempre o
pequeno produtor é induzido ou constrangido a integrar-se no sistema da
agricultura “industrial”, que através de cooperativas ou a sistemas de
contratos com as agroindústrias ou rede de comercialização mais especializada.
Nessa situação ele tem acesso a créditos, insumos,
assistência técnica, e é levado a linha de monocultura de soja, cana, ou à
criação de porcos, galinhas, etc., que o deixam endividado, dependente das
estruturas que o enquadram assumindo os riscos da produção, enquanto outros
(cadeias agro-industriais) se apropriam do fruto do seu trabalho. (Idem: 1982).
Essas situações ocorrem principalmente nas regiões sul e sudeste.
Na realidade o pequeno agricultor sempre foi e é uma
categoria explorada e submetida constantemente às pressões de ordem econômica e
política. Frequentemente ele perde sua condição de pequeno produtor e em
consequência perde sua terra, migra e se proletariza em centros urbanos.
Apesar disso a agricultura familiar representa um
grande contingente de trabalho, cuja produção, por sua vez, abastece a cidade,
embora lute com dificuldades para sobreviver, em face de tantas mudanças
econômicas.
Nos países ricos a agricultura familiar floresceu em
função da opção política e do planejamento, ou seja, foi suprida pela ação do
Estado, enquanto órgão gestor da política agrícola. Neles, as inovações
tecnológicas, desde a década de 30, muito ajudaram no desenvolvimento da
agricultura familiar, porque na agricultura como em qualquer outro ramo da
economia, só se pode ter maior lucro quando se inova ou baixam os custos. Lá
nesses países o pássaro madrugador (early-bird)
canta sempre.
Embora a política agrícola brasileira tenha
experimentado ao longo do tempo sucessivas estratégias para o desenvolvimento
do setor, objetivando a abundância de alimentos a preços baixos, a política
econômica dificultou sempre a consecução desses objetivos.
Mesmo não se caracterizando como essencialmente
capitalista a agricultura familiar tem baixa remuneração, ou seja, não é
lucrativa, apesar de ser produtiva e de ter como vantagem em algumas regiões
brasileiras o aumento e a valorização do preço da terra. Diz-se que daí
originou o ditado “o agricultor vive pobre e morre rico”. Mas quando gera
excedente capaz de suprir o mercado interno, ela traz em seu bojo um ponto
extremamente positivo para o país, que é o surgimento de novos assalariados
urbanos. Mesmo assim dificilmente ela se livra da permanente e inelutável
figura do intermediador, ou atravessador.
3. AGRICULTURA FAMILIAR E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
A
proposta do desenvolvimento sustentável na agricultura não se reduz
simplesmente à utilização da terra de forma infinita, sem deteriorar o solo ou
a combiná-la com a produtividade do agora com a sustentabilidade no tempo. Ela
(a proposta) discute, na realidade o compromisso político intergerações visando
o aproveitamento técnico do solo a longo prazo, mantendo os sistemas
ecológicos do entorno da área
agriculturável. Ela incorpora os processos naturais no processo produtivo, pois
na natureza há fatores que ajudam na produção.
Desta
forma a agricultura sustentável se coaduna com a agricultura familiar porque os
planos da sustentabilidade comprovam sua eficácia quanto à capacidade de manter
o uso do solo ao longo do prazo; a capacidade do agricultor substituir certas
áreas (pousio) com níveis de diversidades; a interação da agricultura com a
floresta, além de outros fatores ecológicos e econômicos.
As
técnicas empregadas na sustentabilidade agrícola familiar são fundamentais para
a sua sobrevivência: evitar grandes criações de animais, diversificação de
atividades (com sinergia), manejo integrado de pragas, controle biológico e
rotação de culturas, entre outros.
4. CONCLUSÃO
Apesar das técnicas novas, inclusive as utilizadas
na Agricultura de Insumos Reduzidos, a agricultura familiar sustentável
encontra muitos obstáculos que vão desde a falta de pesquisa regionalizada à
ausência da educação, sob a responsabilidade do poder público, como a
introdução do chamado Desenvolvimento Participativo de Tecnologias – DPT.
No Brasil, sobretudo na Amazônia, a ausência de
políticas públicas e a consequente falta de estratégias, muito têm contribuído
para que a produção agrícola familiar não seja mais rentável, até porque o
papel do Estado é também de criar essas estratégias de desenvolvimento a partir
da decisão política, como a de transformar a agricultura tradicional em
agricultura sustentável.
Necessário se faz elaborar estratégias de desenvolvimento
regional capazes de melhorar a qualidade de vida do pequeno agricultor através
de programas que viabilizem aparelhar agentes, criarem sistemas de escoamento e
armazenamento de produtos, comercialização e política de preços, reforma
agrária, crédito e organização dos produtores.
Essas estratégias poderiam tornar cada vez mais os
agricultores cidadãos dignos, desde que fossem implementadas com seriedade e
competência pelo poder público. A Amazônia, por exemplo, dada a pobreza do seu
solo, sua vocação não é efetivamente a monocultura.
Propor mudanças, mesmo dolorosas, como as inerentes
a modernização, e a pesquisa para o desenvolvimento sustentável, e propor como
estratégia (ou como esperança) a possibilidade da sinfonia do pássaro
madrugador (early-bird), pioneiro nas inovações tecnológicas, que infelizmente
ainda não acordou para cantar na Amazônia por absoluta falta de políticas,
públicas eficientes.
Este, portanto é um dos grandes desafios para a
agricultura familiar sustentável: Acordar para cantar. Pesquisar para
produzir... e prover.
(*)
Trabalho apresentado no curso de
Especialização em Desenvolvimento Sustentável e Gestão Ambiental. 1999/2000 –
CEFORH/GEA-NAEA/UFPA)
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