Eu, aluno da 3ª série do GM, aos 14 anos. (Foto colorizada por Cláudio Rogério) |
Crônica de Fernando Canto
O
rufar dos tambores da escola vizinha a minha casa troa mais forte que a chuva
de verão que acabou de cair. É um barulho salutar, bem compassado e ritmado que
tem o objetivo de marcar o passo dos alunos desfilantes do dia sete de
setembro, dia da Pátria. A banda ensaia no entorno da escola, mas é uma banda
de fanfarra, onde não faltam notas desafinadas de clarins e seus sons amorfos e
jovens balizas ensaiando, em busca da perfeita harmonia que por certo terão no
dia do desfile, no Sambódromo...
Quando
a época de comemoração da nossa Independência se aproxima eu sempre pergunto
aos amigos da mesma faixa etária se sentem saudade dos desfiles a que éramos
obrigados a participar. Eles não só dizem que sim como acreditavam que era um
tempo de disciplina, que os ajudou a tomarem “tento” na vida. Depois me
confessam que foi só por um momento, quando ainda estavam no ginásio. Mais
tarde, porém, já no colegial, é que foram perceber o quanto viveram isolados e
alienados da realidade do país. Não só eles, como os educadores, diretores e
principalmente os pais. Quase todos eram filhos de funcionários públicos, que
vivam sob a dependência dos governantes militares que vinham para o Amapá como
poderosos vice-reis.
Os
estabelecimentos escolares tinham praticamente duas semanas de preparativos e
ensaios para os desfiles. E eram categorizados: as escolas e grupos primários
desfilavam no dia 5 de setembro, o Dia da Raça, que creio nem mais se comemorar
no Brasil; os ginásios e colégios faziam seus desfiles no dia sete, precedidos
pelos militares e, no dia 13 de setembro, dia da Criação do Território do
Amapá, era realizada a grande parada escolar, com desfile de carros alegóricos
temáticos e ricamente enfeitados. As bandas da Guarda Territorial ou do
Exército acompanhavam os desfiles dos colégios que não possuíam bandas de
música. Mas só o Ginásio de Macapá atravessava a passarela da Avenida FAB com o
garbo peculiar que lhe dera fama e um público fiel que o aplaudia do começo ao
fim. Seus pelotões e carros alegóricos criativos enfrentavam o sol e o vento de
setembro sob a batuta do Mestre Oscar Santos. E nós alunos vivíamos sob a marca
de um tempo que não imaginávamos sua dimensão histórica para o resto do Brasil
e do mundo.
Apenas
mais tarde, já em outros desfiles, mas ainda sob a égide da ditadura militar, é
que começamos a recusar a obrigatoriedade, do papel servil que nos impunham por
tabela os ditadores, lá do planalto central.
Os desfiles eram obrigatórios,
sim. Quem não respondesse a chamada na área de concentração podia ser suspenso
se não justificasse a ausência depois. Os professores de educação física,
responsáveis pelos desfiles eram que faziam a fiscalização. Um grande amigo
meu, hoje radialista famoso na cidade, me contou que por ter errado o passo
numa situação dessas ficou três dias suspenso. Só não foi expulso depois do
quiproquó que fez graças à intervenção firme do seu pai, um açougueiro muito
respeitado. Mesmo assim ficou marcado como “um meninão que não amava a Mãe
Pátria”.
Os
colégios costumavam representar os estabelecimentos militares em função dos
seus diretores e professores que acompanhavam cegamente os ditames dos
ditadores e governadores da época. Ninguém podia “ser do contra”, sob pena de
sofrer as sanções impostas pelos regulamentos especialmente preparados para os
alunos considerados “rebeldes”.
Ainda
bem, tudo passou. A saudade dos desfiles continua na cabeça de muita gente,
assim como a ditadura também está presente na mente de muitos governantes que creem
que só pela força podem continuar mandando. Ainda bem, a vida segue seu curso
sem precisar que o vento negro da morte e da tortura caminhe novamente sob a
paz do nosso país. Viva a Independência e nossa melhor memória.
(*)Publicado no Jornal do dia. 07.09.2007
Fotos de antigos desfiles na Avenida Fab.
João Lamarão, desfilando pelo CA. |
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