Um traço inevitável da comunicação entre os seres humanos (*)
Lamentavelmente de uma forma ou de outra, alguém acaba cotidianamente cometendo uma mentira, seja para não ter problemas no emprego, seja para não complicar sua vida pessoal ou então como é o caso de muitos políticos, para mudar o destino de uma cidade, Estado ou nação.
Aliás, quando chega a época de eleição é sempre a mesma coisa, ou seja, os candidatos em sua grande maioria prometem fazer maravilhas caso sejam eleitos.
Dizem que vão resolver o problema da falta de segurança, melhorar a educação básica, incrementar o número de postos de trabalho, solucionar problemas de trânsito e de falta de habitações dignas, etc.
Meses depois, já eleitos, constata-se que eles não iniciaram nenhum programa que permita tornar reais as suas promessas e tudo que disseram passa a ser uma mentira.
A verdade é que a mentira não é um atributo apenas da classe política.
Pode-se infelizmente dizer que todo mundo mente!?!?
E cada ser humano faz isso por motivos diferentes tais como: vingar-se dos inimigos (ou concorrentes), chamar atenção para “grandes feitos”, divertir-se com a reação dos outros, salvar a própria pele etc.
E o pior é que muitos acabam acreditando nas mentiras, valendo aí a constatação feita por um dos indivíduos mais falaciosos da história da humanidade, isto é, o filósofo italiano Nicolau Maquiavel (1469 - 1527) que disse: “aquele que engana sempre acha que se deixa enganar!!!”.
O psicólogo norte-americano Robert Feldman que estuda a mentira há 20 anos, conclui que mais de 62% das pessoas mentem em conversas do dia-a-dia e frequentemente sem nenhum motivo óbvio .
E porque mentimos?
Naturalmente a intenção primordial é extrair algum benefício.
Assim por exemplo, quando um homem cordialmente elogia uma mulher pela sua “boa forma” – mesmo que o elogio não corresponda totalmente com a realidade – ambos tiram proveito (!?!?)da situação.
Além de fazer a senhorita se sentir bem com uma “pequena” mentira, ele faz com que ela o considere bem mais gentil que a média, o que certamente aumenta a empatia mútua.
Do ponto de vista psicológico, certos tipos de mentira podem auxiliar no contato social.
Dessa maneira, dizer a um paciente que se recupera de uma doença grave que seu aspecto está melhor – mesmo que não esteja – pode até ajudar no tratamento.
Isto é, a mentira pode ser desculpada (!?!?) se não prejudicar outras pessoas e for admitida pelo autor.
O ruim é quando as pessoas mentem e já nem se dão conta disso, invocando razões extremas ou imaginárias para esconder o fato de que pretendem obter vantagem com isso.
Muito pior que isso é quando a mentira se torna uma compulsão mórbida.
É o caso da mitomania, ou seja, uma tendência de narrar extraordinárias aventuras imaginárias como sendo verdadeiras ou ainda, o hábito de fantasiar desenfreadamente.
Um exemplo foi o personagem interpretado por Leonardo di Caprio em Prenda-me se For Capaz, uma película que narra a história verídica de Frank Abagnale Jr., que enganou uma empresa aérea passando-se por piloto profissional e depois por advogado e médico.
Sua carreira de mentiroso acabou quando foi agarrado pelas autoridades.
Aliás, esse é comumente o destino de muitos “pacientes” com mitomania, isto é, enfrentar a polícia e a punição da justiça.
Os médicos por sua vez já estão acostumados com um tipo de paciente que é aquela pessoa que “especializou-se” em mentir, ou seja, é portador da síndrome de Münchausen.
O nome da doença é uma “homenagem” ao barão de Münchausen, famoso pelas histórias mirabolantes – piores que as dos pescadores... – sobre as suas experiências militares, como aquela de ter “cavalgado uma bala de canhão”.
Assim, a mentira não passa de um mundo de fantasia e ficção, para muitos outros serve inclusive como artifício capaz de modificar até o rumo da história.
Um exemplo típico é o do Napoleão Bonaparte que como poucos, soube manipular os fatos para alcançar seu objetivo.
Nos idos de 1799, as coisas não iam nada bem para esse conquistador.
O seu sonho de dominar o Oriente Médio estava se dissipando após a humilhante derrota às margens do rio Nilo para o almirante inglês H. Nelson bem como o seu fracasso na Síria.
Com essas derrotas parecia que estava certo o sepultamento político e bélico de Napoleão Bonaparte.
Mas aí ele soube utilizar a imprensa da época para “soprar” aos quatro ventos, no lugar da verdade, as suas “fantásticas vitórias” no Oriente.
Pois bem, as mentiras surtiram efeitos e Napoleão Bonaparte ao retornar à França foi recebido como vitorioso e, em meio às confusões sociais que atingiam a França, conseguiu tomar o poder!!!
Tudo faz crer que não só Napoleão Bonaparte, mas muitos líderes anteriores a ele e também os contemporâneos – basta ver o que foi divulgado para justificar a invasão do Iraque em 2004, ou seja, que o país estava armazenando armas químicas e biológicas – têm seguido ao pé da letra a “cartilha da mentira” do filósofo grego Platão.
Em sua obra A República, Platão defende o uso da mentira na política, justificando inclusive porque os governantes têm o direito de não dizer a verdade para os cidadãos.
Escreveu o filósofo grego: “Se compete a alguém mentir, é aos líderes da cidade, em virtude dos inimigos e dos cidadãos mal intencionados. Entretanto a todas as demais pessoas não é lícito esse recurso!!!”.
Talvez apoiado, entre outras coisas, nos conceitos de Platão, o ser humano vem tentando justificar ao longo dos séculos essa tendência de “escorregar” em declarações falsas no dia-a-dia, de induzir os outros a certas ações que irão prejudica-lo, como é o caso de fazer alguém aplicar em ações de uma empresa que claramente está a beira da falência.
Entre os exemplos recentes de pessoas que mentiram enganando muitas pessoas deve-se citar o ex-presidente da World Com Inc., Bernard J. Ebbers que foi considerado culpado da maior fraude contábil da história dos EUA; a apresentadora e empresária Martha Stewart que enganou com suas “sugestões” muitos investidores; as autoridades ucranianas que no final de 2004 envenenaram o então candidato e depois presidente eleito Viktor Yuschenko, e o grande escândalo do presidente da Boeing, Harry Stonecipher, que escondeu a sua relação extraconjugal com uma das vice-presidentes da empresa Debra Peabody .
O que reforçou o uso da mentira foi talvez a teoria do filósofo italiano Torquato Accetto que em 1641 afirmou que muitas vezes a verdade é mais prejudicial que a mentira!?!? Explica Torquato Accetto: “Pra mim não é correto, por exemplo, uma pessoa que vive sob a ditadura ir à praça pública e gritar que o governo está nas mãos de um tirano. Ele pode dissimular sua crítica e sua ‘mentira honesta’ terá um efeito final melhor.
É vital que cada um saiba o que pode e o que não pode ser dito em público. Deve-se sempre não infringir o decoro”.
Outros estudiosos no passado concluíram também que é adequado dizer uma mentira em certas situações “filantrópicas”.
É o caso de alguém que dá guarida a um fugitivo político da justiça, não informando a policia seu paradeiro...
Muitos filósofos por outro lado e entre eles o alemão Immanuel Kant, ressaltaram que a mentira era inadmissível em qualquer tipo de circunstância.
Aliás, Immanuel Kant salientou: “É a verdade que está na base do direito, assegurando dessa forma a liberdade de todos os indivíduos. A mentira por sua vez sempre prejudica, a alguém, a um grupo de pessoas ou então a humanidade como um todo”.
Porém no século XIX, outro pensador alemão Friedrich Nietzsche, deixou as pessoas mais confusas ainda em relação a sua própria existência.
“Friedrich Nietzsche Procurou ensinar que todos nós precisamos da mentira para conseguir viver nesse mundo falso, cruel, contraditório, inseguro e absurdo”.
Em outras palavras na penosa obrigação de viver nesse contexto é imprescindível que o homem para sobreviver faça uso da mentira.
Dizia Friedrich Nietzsche: “O mundo que enxergamos é ilusório e o conhecimento – tudo que a ciência e a Filosofia nos ensina – é uma invenção do homem para explicar o mistério do universo”.
Mas, uma vez que a filosofia e a ciência ainda não esclareceram todas as facetas da falsidade humana as pessoas vão seguir mentindo, e provavelmente nunca vão parar!?!? Bem no século XXI as coisas estão mudando muito e parece que estamos entrando não apenas na era da reatividade, da economia digital e da educação continua, mas também na era da ética, da moral e da transparência.
Nestes novos tempos, como já pensava Immanuel Kant alguns séculos atrás, não há como desculpar a mentira, que ela deve ser banida.
Numa época da tolerância, com respeito à diversidade e plena democracia, a mentira deveria realmente deixar de existir, ou pelo menos todo aquele que fizesse uso da mesma deveria ser severamente punido.
O que você acha disso caro leitor?
Concorda ou não concorda?
Espero que você seja do clube da verdade, da moral elevada e da transparência!!!
(*) Revista Qualimetria – FAAP – Abril de 2005
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigado por emitir sua opinião.