Um dos livros mais
impressionantes do poeta amapaense José Edson dos Santos, que também se assina
como Joy Edson, é o “Bolero em Noite Cinza”, publicado em Brasília, em 1994. A escritura
ousada e diferente fez com que Edson se tornasse um dos mais importantes poetas
do Planalto Central e gozar de um grande e confortável conceito na literatura
brasiliana. O poeta mora em Brasília desde 1973, tendo publicado inúmeros
livros e feito parte de incontáveis antologias do cerrado brasiliense. Leia a
crítica após a leitura dos poemas.
O VAMPIRO DE RAPUNZEL
Essa
chuva cinza a noite
Molhando
o pássaro imprevisível
Na sua
obsessão de horizonte
Sinuosos
&
Na
arquitetura de querubim.
Alçar
sob sílabas bilabiais
O que
secreta o nariz de Rapunzel
Relâmpagos
e nuvens de enxofre
Perseguem
o Lázaro triste e cego
Ruminando
a vã filosofia do ego
Na chuva
cinza
Desabando
na cidade
Meia-noite
e um suspiro...
O Vampiro
veste seu colete grená
E sai à
procura do suspense
Surpresa
e horror
Rapunzel
em sua Torre de Babel
Beberica
o último gole de Fogo Paulista
Desembaraçando
as madeixas de menina rica.
Escuta o
sax fogoso
Que vem
no vento
Ensaia a
risada de ninfeta ninfômana
E espera
displicentemente
Pelo Príncipe
da noite.
Chove a
noite cinza
Os
querubins se embriagam de veneno
Quando o
maldito vagueia o solar:
- Rapunzel, Rapunzel, joga as transas!
Um
papelote de cocaína
cai no
seu decote
& o
sax solene corta o silencio.
O Vampiro
reverencia a chuva e
Sobe no
elevador do calabouço
Levando
uvas no pescoço
Para
curar o quebranto de Rapunzel.
A noite
cinza de sussurros
Parece
um ranger de asas
Um conto
de Edgar Allan Poe
E quem
não tem vinho nem virtude
Se
contenta com o vício
de
Baudelaire.
MEU
POETÍLICO PÁSSSARO PIRADO JASMIM
Indiferente
e pálido
Olhou a
claraboia aberta
Sorrateiro
penetrou
Como
sombra de jiboia e poesia
Revelando
o jeito forasteiro e rápido
De esconder
suas mágoas
Nunca
entrou numa de bater na porta
Prefere
a emergência da madrugada
E a
mania dialética de entrar
Sem
pedir arenga
Enruste
a mágoa pelo interfone
Por trás
do verso perverso
Dizendo
beber a mesma água de onça
Para
saciar sua ânsia felina
Restou
um gosto barroco e amargo na boca
Dor amor
rancor dissabor
Passeio
de rimas pobres pela persiana
De recuerdos
Nenhuma
rima rica nem soneto ranheta
Para
redimir a perda do sonho
A
condição sonheteira das imagens
Palavras
são parábolas
Ficar
cada vez mais
Bêbado
bosta pelo avesso
Sufoca o
Bukowski dionisíaco
Que
habita torto o porto inseguro
De sua
solidão selvagem
Onde
blasfemam bastardos e bardos
Que
silenciam em conflitos e medos
Indiferente
e pálido
Olhou a
sombra do poema se esvair
Com um
leve cheiro de jasmim
Escuta o
jazz imaginário do dilema
Seguindo
a trilha dos duendes e cogumelos
Quando a
cotovia cantou
E acabou
a cannabis e a madrugada
Indiferente
e triste
Evidenciou
a madrugada no rabo
De sua
risada calhorda e cínica
Mandando
tudo às picas
Até o
que de mais poético existe
No seu
jeito de ver a aurora
Pelo
espelho provisório da vida
AUSÊNCIA
OFÍDIA
A
cobrinha multicolor
Mordeu
meu tendão
Toda
extensão minuciosa
A
cartilagem da boca
Depois
sangrou minhas varizes
Com o
corpo ardendo em frenesi
Não
pensou na necrobiose louca
Nem na
hemorragia
Em
minhas entranhas
Suportei
a sua ausência ofídia
Por
quatro semanas incomensuráveis
Sem
nenhuma perfídia ou insensatez
Não foi
desta vez que morri
De ler
os românticos ou Paulo Valéry
Mas de
certa forma
Engordei
BOLERO
EM NOITE CINZA
Na noite
cinza
Um
bolero de soleira
Notívagos
e corações solitários
Vestem
angústias e divagam
Nos
labirintos da cidade
A grande
putona da megalomania
Bebe e
bufa fuligens de ócio
Benvenido
Granda sofeja nos mictórios
Bares
sórdidos
Arcanjos
pederastas
Ironizam
o desenlace das concubinas cocainômanas
&
aguardam ansiosos
Mancebos
imberbes
Para
acariciarem o pomo de Adão
Da
solidão cinza
Com seus
boleros de perfídia
E
sordidez
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