Reunião na
casa de Paula Lavigne, na terça, iniciou debate; Marta Suplicy peregrina com
projeto entre grandes nomes da música
Jotabê
Medeiros - O Estado de S.Paulo
A ministra Marta Suplicy iniciou uma ofensiva
entre os medalhões da música popular brasileira para convencê-los da
necessidade da fiscalização das atividades do Escritório Central de Arrecadação
e Distribuição de Direitos (Ecad), além da mudança das regras que regem a
instituição. Marta já procurou Caetano Veloso e a Gilberto Gil e deve
prosseguir essa semana com as visitas.
Encontro
na casa de Paula Lavigne
O primeiro resultado dessas incursões
foi visível no domingo e na terça, numa reunião no Rio de Janeiro da qual
participaram Djavan, Racionais MC’s, Emicida, Gaby Amarantos, Frejat, Fernanda
Abreu, Jota Quest, Otto, Leoni, Caetano Veloso, Tim Rescala, Ivan Lins e até
emissários do cantor Roberto Carlos.
Em sua coluna semanal no jornal O Globo de
domingo, Caetano Veloso externou uma opinião diferente da que tinha
habitualmente sobre o tema dos direitos autorais. “Os manifestos dos defensores
da manutenção do modus operandi atual do Ecad são pouco ou nada técnicos — e
são alarmistas”, ponderou o cantor.
Seu artigo fazia menção direta aos
argumentos de uma carta-manifesto endereçada no início de abril aos filhos da
ministra Marta pelo poeta e compositor Abel Silva – e respaldada por inúmeros
outros militantes pró-Ecad, como Fernando Brant e Ronaldo Bastos. Abel
escreveu: “Forças poderosas e nada ocultas convergem como tsunamis com tal
furor que a casa que o povo da música construiu ao longo de décadas pode ruir!
E não exagero. Tudo o que conquistamos se ergue sobre dois pilares : o direito
autoral e o Ecad. Mexeu nisso e desaba tudo, simples assim, e os nossos
inimigos sabem disso”. Caetano rebatia precisamente isso em sua coluna: “Não é
‘se mexer, desaba’; é ‘se não pode mexer, não anda’”.
A ministra Marta parabenizou Caetano
pela exposição de sua opinião e pela defesa da nova legislação. “O Ecad tem que
existir para arrecadar e o PLS 129 levará à transparência”, disse a ministra
ontem. O PLS 129 a que ela se refere é o Projeto de Lei 129, oriundo da CPI do
Ecad, que muda a estrutura do escritório e cria mecanismos para fiscalizar a
gestão coletiva do direito autoral. Em tramitação no Senado em regime de
urgência, o projeto tornou o clima em atmosfera de embate renhido. Marta tomou
a dianteira das ações após as blitze dos defensores do Ecad.
O resultado imediato das suas
incursões pela MPB já aconteceu na casa da empresária Paula Lavigne, ex-mulher
de Caetano. Ela convocou um encontro realizado na terça com a maioria dos
grandes nomes da música brasileira – incluindo assessores do ‘Rei’ Roberto
Carlos. O cantor capixaba esteve representado por seu empresário e por três
assessores (entre eles Sandra Santana, que cuida da parte de direitos
autorais). A reunião não teve participação do Ministério da Cultura, mas foi
convidado o senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), que foi relator da CPI do
Ecad.
“Paula me convidou para que eu
explicasse o que identificamos na CPI do Ecad”, disse Randolfe, que defendeu:
“O sistema atual é anacrônico e acaba favorecendo a corrupção, pois não existe
fiscalização”. Segundo Randolfe, que ficou na reunião entre as 21h e a 1h da
manhã, o encontro sinalizou um início de debate. “A decisão agora é dos
artistas, inclusive para fazer o PL 129 andar. É um debate que a classe tem de
travar. Os políticos devem ficar afastados agora”.
O Ecad vê intervencionismo estatal na
proposta da CPI do Ecad. “Toda essa conversa se desenrola em torno da questão
da transparência, e o Ecad nunca se posicionou contra a transparência”, rebateu
a advogada Glória Braga, superintendente do Ecad. “Ocorre que o PL129 e os
outros projetos de lei que vêm sendo discutidos vão muito além da questão da
transparência. Criam um organismo estatal que vai interferir naquilo que os
autores têm garantido constitucionalmente. É esse ente estatal que vai
determinar quais são os valores e as regras da distribuição, o que é
inaceitável”, afirmou Glória.
O senador Randolfe Rodrigues disse
que o PL 129 “não significa definição de preços, nem interferência, mas
acompanhamento”. E afirmou que esse acompanhamento tanto pode ser feito por uma
instituição dentro do Estado brasileiro quanto por uma reedição do antigo
Conselho Nacional de Direitos Autorais.
Marta Suplicy esteve com Caetano
durante o show dele em São Paulo. Depois, enviou um de seus assessores ao Rio
de Janeiro, para conversar com Caetano e Gil. Sabia da resistência do primeiro
à mudança. Em 2011, Caetano tinha assinado um manifesto com posição
completamente diferente da que tem agora. O texto que ele subscrevia, junto com
dezenas de outros compositores, dizia: “Somos capazes de criar e administrar o
que nos pertence. Para isso, não precisamos da mão do Estado. Há dois lados na
questão: o criador que quer receber e empresas que não querem pagar.”
No domingo, em O Globo,
Caetano já mostrou avaliação totalmente diferente (e conciliatória) sobre o
imbróglio. “Não creio que Abel (Silva) ou Fernando (Brant) estejam protegendo
vantagens indevidas; tampouco creio que Tim Rescala e Ivan Lins estejam lutando
pelo poder das emissoras de TV. Suponho que seja hora de amadurecer a
conversa”, escreveu.
Ivan Lins é um dos que tem se posicionado
firmemente contra a atual forma de gestão do Ecad. “Os critérios de
distribuição são injustos, preguiçosos, incompatíveis com a tecnologia que é
usada no mundo todo. O Ecad canta de galo, dizendo que usa as técnicas mais
avançadas, mas na verdade, é tudo praticamente igual ao que se fazia há 20”,
escreveu Lins. “ O Ecad é importante e necessário. Mas a administração que está
lá tem que mudar. Os critérios de distribuição também têm que mudar, se
modernizar e se tornar transparentes. Quem fica defendendo o Ecad, como está
hoje, ou não sabe nada de direito autoral ou é mal intencionado”.
O fato que precipitou toda a
discussão em torno de um novo sistema de arrecadação de direitos autorais
aconteceu em março, quando o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade)
condenou o Ecad e as seis associações representativas de direitos autorais que
o compõem por formação de cartel, ao fixar preços para atividades do mercado
musical. Também condenou o Ecad por fechamento de mercado. O órgão antitruste
ainda aplicou multa total de R$ 38,2 milhões ao Ecad. Glória Braga informou
ontem que o Cade ainda não liberou o acórdão do julgamento, o que está
impedindo o recurso do escritório.
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