DIMENSÃO PRIMÁRIA DO SER
Antes que as palavras de poeta
se percam como as nuvens
itinerantes,
quero que o poema transforme-se
numa casa
(não precisa que seja uma mansão
ou uma construção portentosa).
Que o poema seja uma casa
-
com um quarto apenas, onde caiba
um coração universal e as emoções
viáveis de uma existência.
Se eu chamasse por mim nas
planícies,
a minha voz não seria ouvida,
pois eu não estaria lá.
Eu só estarei onde houver
espíritos
porque eu sou a vida.
Por isso me expresso,
às vezes sem jeito,
às vezes com exagero.
A febre de viver,
os delírios de andar neste
mundo-betoneira,
tudo isso já experimentei.
Já experimentei ser neutro, ser
zero,
ser equilibrado, mas foi inútil.
Nasci assim.
Mas eu só nasci aos treze anos
cronológicos
e de lá para cá tenho andado meio
sem norte
(embora embrenhado no Norte
geográfico),
tenho perambulado levando nas
almas
as pleonásticas solidões dos
poetas;
tenho dormido na insensatez do
ócio,
esse ócio infame, estéril e
extorquidor de emoções, que chega
até mesmo
a boicotar nossa luminosidade.
Arrependido?
Não.
Apenas encabulado, constrangido,
patético e verminal:
na dimensão primária do ser.
INVENTÁRIO DAS BUSCAS
Nesta manhã deixo a vida cair
como a chuva
nos poliedros dos olhos e nos
invisíveis
espelhos cromáticos dos meus
espíritos.
Em mim, que sinto e tento
explicar, digladiam-se
os liquefeitos sonhos de anos e
anos,
de esperas e esperas, com anjos e
demônios
que despencam do horizonte como
perfuratrizes
assassinas sobre a minha sorte.
Nas desfeitas ondas, irmanadas
aos abismos
para onde fomos exilados
(como se fôssemos paranóicos),
a síndrome imensurável da Terra
é compactada na minha percepção
de poeta.
E a minha visão, que decola de
sua órbita natural,
busca os infinitos do criador.
E deixo a vida viabilizar-se,
amar seus amores,
escrever seus poemas e buscar-se,
sempre.
Como um animal eu volto ao meu
lar
e contemplo vossos telhados,
Macapá;
contemplo a absurda calmaria das
praças
moldadas na linear paisagem
urbana.
Volto a casa como um poeta do
século XX,
com meu livro de incontáveis
páginas em branco,
minha dor de cabeça proletária e
civil.
Os bares já estão vazios e tudo é
muito ambivalente
e tudo vai explodir na bela
aurora setentrional.
Caminho por Macapá e tenho cinco
bilhões
de irmãos espalhados neste
planeta solitário.
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