Texto de Fernando Canto
Foto: Fernando Canto - Arquivo pessoal |
Carinhosamente
conhecida como Tia Zefa, ela é mãe dos meus queridos amigos José Pedro da Silva
Ramos, José Isaías (Também conhecido por “Joaquim” ou “Bomba D’água”),
Aureliano “Neck”, Joana (falecida), Raimunda Lina, Fina, Ana (falecida) e Rita.
É avó do Nilson “Estilizados” (Puxador de Samba), da Paulinha, do Jairo (Porta
Bandeira e Mestre Sala dos Estilizados, respectivamente), do Cauã (Mestre Sala
Mirim), dos gêmeos batuqueiros Pedro e Paulo e de vários outros componentes da
Escola.
Tia
Zefa foi uma das habitantes do centro de Macapá que foi remanejada para o
bairro do Laguinho em 1944, quando da expansão territorial da capital executada
pelo governador Janary Nunes. Reside ainda no mesmo lugar, ali na frente do
antigo campo dos escoteiros, onde depois construíram a Cobal e que agora é a
sede do SEBRAE, na Avenida Ernestino Borges.
Ainda
hoje ela é vista varrendo a frente de sua casa. Mesmo contrariando os filhos,
que pagam uma empregada doméstica para o serviço, ela lava, cozinha e cuida da
casa. Nas procissões de São Benedito, padroeiro do bairro e de São José,
padroeiro da cidade, lá está ela acompanhando as imagens com os fiéis, às vezes
até descalça. No ciclo do Marabaixo lá está ela, dançando, com quase a mesma
disposição, lembrando dos velhos tempos. Sua lucidez permitiu que muitos
estudantes e pesquisadores pudessem conhecer nosso folclore e a história dos
afrodescendentes locais através dos versos dos ladrões de Marabaixo.
Neste
momento em que está ocorrendo uma missa de Ação de Graças pelo seu aniversário,
junto-me ao sentimento de todos seus familiares pela longa presença dessa
pessoa iluminada na face do planeta, que carrega o fado de saber das nossas
coisas e de tê-las testemunhado. Louvo, assim, sua preciosa memória que é plena
de significados individuais e coletivos e fonte inesgotável de informações. Ela
é sujeito da história e voz de muitos sujeitos. Sua memória permitiu a
recuperação de uma visão de mundo, pois vivenciou a experiência e nos deu a
riqueza de uma história mais comovente e verdadeira.
A Tia Zefa também é compositora. Entre tantos ladrões que cantam nas festas de
Marabaixo sem saber o verdadeiro autor, ela nos deixou estes versos:
Mamãe, minha rica mãe
Ora veja o mundo
como é que está
Ainda há moça que
se ilude
Por moço deste
lugar.
Foto: Fernando Canto - Arquivo pessoal |
A
contribuição da Tia Zefa, nestes últimos tempos em que se percebe uma
necessidade vital de se trabalhar em busca da identidade local, foi fornecer
matéria-prima para tantos TCC’s, monografias, dissertações e teses. Essas
pesquisas evitam a diluição e os esquecimentos de circunstâncias e momentos não
registrados. A memória da Tia Zefa é, então, o segredo da identidade, porque
vive o que não somos mais.
Perto
de completar um século, e saudável, física e mentalmente, Tia Zefa traz esse
privilégio de poucos. Respeitadora do sentimento alheio, não fez nenhuma festa
devido ao recente falecimento de sua irmã e das amigas Ondina e Chiquinha do
Bolão, outras mulheres negras e representativas da cultura popular do Amapá.
Deixo
aqui para a Tia Zefa, seus filhos e descendentes, minhas felicitações pelo seu
aniversário de 99 anos. Que Deus a proteja sempre e que ela continue a nos
ensinar com a sua humildade e conhecimento as coisas do Amapá, pois ela sabe
também que não são só as moças “que se
iludem com os moços deste lugar”. Todos nós nos iludimos com as coisas: nós
eleitores, nós consumidores, principalmente quando a memória trai e o tempo faz
esquecer a política e os valores humanos mais importantes. Parabéns, Tia Zefa
(Minha Rica Mãe), pelo aniversário e pelo seu legado.
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