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Foto: Juvenal Canto |
Texto
de Fernando Canto (Uma velha homenagem à Festa de São Tiago de Mazagão Velho)
Há alguns anos ministrei palestra para uma turma de
Sociologia do Ceap sobre “Cultura e Poder”, enfocando aspectos da Festa de São
Tiago de Mazagão Velho (cavalhada que relembra a lenda desse santo na guerra
entre Mouros e Cristãos na África) a convite do professor Luís Alberto Guedes.
Nesse dia levei uma caraça utilizada pelos “Máscaras” e pedi aos alunos que a
experimentassem em seus rostos. As reações foram as mais diversas e a discussão
bem participativa. Entretanto, se por trás da máscara há um mundo de
significados, pela frente pode representar a face divina, a face do sol. Ela
exterioriza às vezes tendências demoníacas (Teatro de Bali, máscaras
carnavalescas), manifesta o aspecto satânico. Ás vezes não esconde, mas revela
tendências inferiores que é preciso por a correr, porque não se utiliza uma
máscara impunemente. Ela é um objeto de cerimônias rituais, como por exemplo,
as máscaras funerárias, que são arquétipos imutáveis nas quais a morte se
reintegra. Na China ela se destina a fixar a alma errante. Ela também preenche
a função de agente regulador da circulação das energias espirituais espalhadas
pelo mundo e visa controlar e dominar o mundo invisível.
Na Festa de São Tiago ela é usada no “Baile de Máscaras”
que ocorre no dia 24 de julho, e é um dos aspectos ritualísticos mais
importantes, pois simboliza uma cena de regozijo à vitória que os mouros
julgavam ter obtido sobre os cristãos O baile ocorre após terem oferecido
comida envenenada aos cristãos, visando dar oportunidade aos que quisessem
passar para seu lado. É um baile de homens onde todos estão fantasiados, mas às
mulheres e crianças é proibida a participação. Eles dançam no sentido inverso
ao do relógio até ao amanhecer. Ao meio-dia um personagem mascarado chamado
“Bobo Velho” passa três vezes no território cristão e é apedrejado pela
assistência, pois se trata de um espião mouro tentando obter informações. Na
cena do “Rapto das Criancinhas Cristãs”, os “Máscaras”, dezenas de atores
populares, surgem fantasiados, assustando e arrebatando olhares de medo das
crianças que os assistem.
A
máscara parece ser uma transferência de energia que tem o sentido de mutação e
que transcende o drama. Já o “Baile” é uma festa dentro da festa. É uma cena de
um drama em que paradoxalmente ocorre a oportunidade de se desregrar (pela
ingestão do álcool). Mas é quando se subverte a realidade constituída, pois a
organização social do drama tem seus apelos e sanções: se há notícia de uma
outra festa na vila, os “Máscaras” vão até lá e acabam com ela. Fazem respeitar
as normas da tradição e tecem críticas à realidade através de um grande boneco
mascarado chamado “Judas”, que todo ano muda de nome, conforme o momento
histórico e a decisão dos que o confeccionaram.
O
“Baile de Máscaras” é uma forma de representação do potencial subversivo das
festas, não só pela crítica, mas pelo dançar constante na direção inversa ao do
ponteiro do relógio, tratando-se de um embate contínuo com o tempo, quando os
brincantes giram e vão se espiralando, afastando o tempo linear e vivendo a
dimensão da memória, num tempo mítico, onde os acontecimentos heroicos se
repetem pelos rituais.
Culturalmente as máscaras de Mazagão Velho podem ser
vistas como um aspecto místico da festa porque traduzem o tempo, a memória e o
ritual que organiza a memória, a história e a sobrevivência da sociedade. Assim
a cultura da festa se efetiva porque suas crenças, gestos e valores são
oriundos de um processo de criação de homens e mulheres e que são partilhados
por todos, por meio de juízos de valor e símbolos.
A utilização da máscara na Festa de São Tiago é de
disfarce, de aparência e de jogo estratégico. E para entender melhor esse
processo nada como pôr no rosto uma caraça, pois assim cada um assumirá também
o papel que subverte e mete medo, e que também diverte, mas, sobretudo, que une
e corporifica os valores culturais daquela sociedade.
(*)
Do livro “Adoradores do Sol
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