Abaixo matéria publicada pelo jornalista Lúcio Flávio Pinto, no
último Jornal Pessoal, a respeito do novo livro do escritor Ademar
Amaral, Sementes do Sol.
O livro será lançado em outubro próximo em data e local a serem
definidos.
A saga da juta: entre
memória e esquecimento
Por Lúcio Flávio Pinto
Engenheiro por formação, Ademar Ayres do Amaral tem combinado sua qualificação profissional de ciência exata com seus dons de escritor e sua experiência de vida (como nativo de Óbidos) para escrever uma história original do Baixo Amazonas. É boa ficção e excelente história, pesquisada com paixão e rigor. Depois de Catalinas e Casarões (2009, 283 páginas),, está nos arremates de Sementes do Sol, que reconstitui a saga da juta, a planta importada da Ásia que possibilitou a segunda cultura comercial no meio rural da região, depois do cacau.
O livro será lançado ainda neste ano. Dele aproveitei trechos de dois capítulos para prestar uma homenagem (pela devida mão alheia) ao meu pai, Elias Ribeiro Pinto, sem resvalar para o interesse talvez suspeito de um filho. Se vivo fosse, ele completaria 87 anos no dia 31. Falecido no final de 1985, seu nome tem sido arrancado da memória de Santarém, embora seja presença ativa em fase importante da história do município. O que Ademar escreveu é um retrato fiel de uma realidade que precisa ser recontada.
Espero que os leitores concordem que este capítulo também é parte relevante da história do Pará, com sua repercussão e influência nacionais. Um texto de cuja leitura se obtém prazer, conhecimento e consciência.
No final da década de 1940, a cultura da juta estava totalmente implantada e era uma realidade na maioria dos municípios que agregam a região do Baixo Amazonas. Não restava mais nenhuma dúvida de que por ser uma cultura de safra muito rápida, como Uyetsuka preconizou, abriu um leque sem igual de boas perspectivas para minorar a penúria do ribeirinho, mesmo à custa de algumas mazelas e dos inevitáveis atravessadores.
O município de Alenquer tornou-se o maior centro produtor de sementes e o comércio de Óbidos rivalizava com o de Santarém dentre os mais movimentados da calha do Amazonas. Era raro o dia em que não se avistava um grande cargueiro no porto, que, tendo calado apropriado para qualquer tamanho de navio, passou a ser para onde convergiam quase todos os produtos exportáveis da região. Além da juta, cumaru e cacau, toda a safra de castanha do Pará, coletada principalmente na região do Trombetas, acabava no porto de Óbidos.
Getúlio Vargas, primeiro protetor e depois algoz, foi deposto após a guerra e o patrimônio pelo qual tantos Koutakuseis se sacrificaram continuou como espólio de guerra. Acabou leiloado pelo governo brasileiro. Nessa altura, a maior parte dos membros da colônia já nem mais tinha interesse em retomar às suas terras, nas várzeas férteis do Andirá. Alguns poucos voltaram ao Japão, enquanto outros migraram para tentar novos desafios em centros mais adiantados do sul do país.
A maioria, porém, permaneceu e encontrou motivação para escrever uma nova história nos municípios vizinhos, seja atuando na juta ou na agricultura de hortifrutigranjeiros como dando uma guinada para a lucrativa atividade pecuária.
Os japoneses mais teimosos, que insistiram em permanecer nos arredores de Parintins, como o lendário Ryota Oyama, que entrou na história da Amazônia por ter cultivado a planta mãe de todos os jutais, tornaram-se homens prósperos e membros respeitados da sociedade local. Mas, no meio desse processo de readaptação causado pela Segunda Grande Guerra, havia dois japoneses inconformados, um no Japão e outro em Santarém, que ainda mantinham viva a esperança de implantar uma nova colônia nos moldes da que foi interrompida pelos dissabores da guerra: Tsukasa Uyetsuka e seu preposto no Brasil, o austero diretor da Vila Amazônia, Kotaro Tuji.
Tudo indica que mesmo durante o redemoinho que se abateu sobre a colônia japonesa durante a guerra, a ligação quase umbilical entre os dois velhos amigos nunca deixou de existir. É muito provável, também, que o influente Uyetsuka julgasse conveniente manter Tuji na região para que ele não deixasse morrer a chama dos ideais pelos quais ambos tanto haviam se doado.
O fato é que no desembocar dos anos 1950, Kotaro Tuji e o irmão Kohei Tuji estavam entre os empresários mais bem situados da região. Eram sócios da espetaculosa Casa Boa Esperança, uma das principais lojas do centro comercial de Santarém, e estendiam suas atividades para o comércio da juta, não demorando a instalar, em Parintins, uma prensagem similar à que a família Álvares Penteado mantinha em Óbidos sob a batuta do “seu” Magalhães.
Contudo, o grande ideal de Tuji e Uyetzuka, para o qual tinham recebido promessa de apoio do então presidente Getúlio Vargas, durante o curto encontro que tiveram na cidade de Parintins, era implantar uma indústria de tecelagem para verticalizar a produção da fibra próximo aos locais de plantio. O Baixo Amazonas passaria a ser um exportador de sacaria e não um mero fornecedor de matéria prima para as indústrias do Sul.
Na companhia da família e do irmão Kohei, Kotaro Tuji vivia aparentemente sossegado na pacata cidade de Santarém, tocando sua vida de empresário bem sucedido. Mas um velho segredo, que era guardado a sete chaves e que continuava martelando na sua cabeça, começou a ser confiado gradativamente nas conversas cada vez menos esporádicas que ele mantinha com um novo amigo, em quem identificou ideias tão ousadas quanto as dele, apesar do amigo ser ainda muito jovem.
As conversas sobre as possibilidades da juta iam muito longe. Os dois compartilhavam os mesmos ideais e planos sobre a finalidade que deveria ser dada àquele novo filão que os japoneses desenvolveram e que se espalhara como praga entre os humildes ribeirinhos das barrancas. O novo amigo de Kotaro Tuji chamava-se Elias Ribeiro Pinto, era membro atuante do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), secretário da prefeitura e linha de frente na administração do prefeito Aderbal Caetano Corrêa.
Elias não passava de um adolescente quando o ditador do Estado Novo transitou a primeira vez por Santarém e pernoitou em Belterra, em outubro de 1940. Pouco se apercebeu sobre a importância daquela viagem histórica do presidente. Mas, ainda que não se desse conta, já carregava nas veias o vírus incurável da política que se apoderou totalmente dele e o acompanhou em todos os seus bons e maus momentos, até o final dos seus dias.
Elias Pinto era paraense do município de Acará e filho de uma dentre as muitas famílias de nordestinos que fugiram das adversidades da seca para tentar uma nova aventura nos sertões da Amazônia. Quando completou seis anos, seus pais resolveram deixar o Acará para mais uma infrutífera tentativa de se fixar na terra natal, mas acabaram retornando ao Pará, na companhia de outros migrantes, para se estabelecer nas colônias agrícolas ao sul de Santarém. Elias era autodidata, não cursou mais do que o terceiro ano do antigo curso primário, porém desde cedo se revelou portador de uma garra e de uma inteligência fora do comum.
Era leitor voraz de tudo o que lhe caía nas mãos, tornou-se brilhante articulista e sua maneira lógica de argumentar sobre qualquer assunto tinha um quê de diferente que fazia as pessoas se juntarem ao seu redor, sem contar um talento de berço para convencer multidões, quando falava em público. Cedo estendeu sua influência em várias atividades: secretário da prefeitura, professor de inglês, primeiro locutor esportivo da Rádio Clube de Santarém, presidente da Congregação Mariana, redator do Jornal de Santarém, fundador e principal redator do jornal O Baixo Amazonas, membro fundador do São Raimundo Esporte Clube, político militante do PTB, sexto deputado estadual mais votado do Pará, na eleição de 1954, membro da Comissão de Planejamento e presidente da Subcomissão de Crédito e Comércio da SPVEA (Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia), atual Sudam, prefeito eleito de Santarém, em 1966, e cassado oito meses após a posse, num autêntico golpe, depois de ter humilhado a ditadura militar com uma vitória esmagadora nas urnas de um candidato do partido da oposição, o MDB (que se tornaria PMDB).
O processo de cassação contra Elias Pinto foi um plano muito bem urdido pela oposição e estava com tempo cronometrado para acontecer desde o primeiro dia da sua posse. No ano em que a Arena (o partido do regime militar), ganhou de lambada em praticamente todos os municípios do Pará e já tinha dado um passeio ao eleger, no ano anterior, o coronel Alacid Nunes para o governo do Estado, a vitória acachapante de Elias foi como uma bofetada na cara da ditadura. A derrota nunca foi digerida pela “revolução” e Santarém, como o mais importante município depois da capital, era o que realmente pesava na balança.
Elias sentou na cadeira de prefeito com uma votação consagradora, mas o resultado da eleição também provou que sua vitória e prestígio eram unicamente pessoais. Ele não conseguiu arrastar a totalidade desses votos para os seus candidatos à Câmara Municipal, de modo que pudesse contar com uma sólida bancada de apoio para governar. Dos onze vereadores, só três do seu partido foram eleitos e os da oposição estavam lá para fazer o jogo que a ditadura quisesse.
Não bastasse isso, havia duas armas engatilhadas e prontas para disparar a qualquer momento contra seu mandato, armas que o novo prefeito e seus auxiliares municiaram e entregaram de bandeja nas mãos sedentas dos opositores: uma equipe constituída de auxiliares pouco preparados e um estilo um tanto confuso de administrar. Elias Pinto era um homem criativo e de ideias extraordinárias, um visionário, como mostrou no processo da juta, mas talvez fosse a pessoa menos indicada para colocar em prática o tanto de coisas brilhantes que concebia.
O processo da sua cassação, em novembro de 1967, culminou com a célebre tentativa de reintegração de posse através de um mandado judicial, em 20 de setembro de 1968, e contou com o apoio irrestrito do brigadeiro Haroldo Veloso. À frente de uma passeata com mais de três mil pessoas, Elias foi recebido à bala por um cordão de isolamento formado por 150 soldados da Polícia Militar do Pará, com ordens expressas do governador de não deixar ninguém entrar no prédio da prefeitura.
Mesmo sendo dos quadros da Arena, Haroldo Veloso apoiava a marcha. Caminhou o tempo todo ao lado de Elias para assegurar que a lei fosse cumprida conforme determinação do juiz e terminou como uma das maiores vítimas do episódio. Deixou a praça de guerra com um grave ferimento na virilha, causado por um incisivo golpe de baioneta.
Esse triste acontecimento na cidade de Santarém funcionou como a gota d’água que as forças de repressão esperavam para transformar os principais municípios do Baixo Amazonas em áreas de segurança nacional. Os prefeitos desses distritos passaram a ser nomeados pelo poder central e eram escolhidos dentre os “mais fiéis” membros da curriola, que compactuava com os desmandos do regime militar. O povo foi mantido na mordaça pelos vinte anos seguintes e teve vetado o direito sacro de eleger seus mandatários pelo voto direto.
Na época em que Elias Pinto mantinha aquelas conversas reservadas com Kotaro Tuji, a imprensa do Sul publicou uma entrevista explosiva que virou do avesso o mundo político de então e teve impacto direto sobre os novos caminhos da juta, no Baixo Amazonas.
A célebre entrevista de Wainer foi o ponto de partida para o início da corrida presidencial de 1950. E para sorte de Elias Pinto, o comitê da campanha presidencial elegeu Santarém como uma das cidades a serem visitadas pelo Dr. Getúlio, logo gerando uma Bíblia de oportunidades na cabeça do então jovem e articulado secretário da prefeitura. Por ser do PTB e muito perspicaz, Elias Pinto vislumbrou na oportuna visita do caudilho a oportunidade nunca imaginada para por em prática seu próprio projeto político de vida.
Getúlio Vargas percorreu 77 cidades na sua longa jornada de volta ao poder e discursou em cada uma delas, lembrando suas obras do tempo do Estado Novo, ou anunciando grandes projetos para a região visitada. Os organizadores da campanha estiveram previamente em cada lugar, avaliando os problemas e interesses da população, que eram anotados para compor a enxurrada de discursos do candidato.
Ao desembarcar em Santarém, o Dr. Getúlio foi recebido com toda a pompa pelo prefeito Aderbal Caetano Corrêa, mas como o alcaide era muito inibido e sem apetite para falar em público, delegou ao destemido secretário da prefeitura a missão de saudar o futuro presidente. Getúlio Vargas ficou tão impressionado com o discurso de Elias Pinto que lhe passou um cartão pessoal para ser cobrado das promessas feitas para o município, tão logo fosse empossado presidente.
A grande promessa de Getúlio, sugestão que o próprio Elias Pinto discretamente conseguiu embutir na fala do candidato junto ao comitê que visitou Santarém, foi transmitida em praça pública na forma de um discurso ultranacionalista e tão estiloso como o da famosa carta que selou seu suicídio e seu testamento político.
Era o anúncio fantástico da criação de uma indústria de tecelagem de juta em Santarém, que iria beneficiar toda a fibra produzida na própria região do Baixo Amazonas, ou seja, tudo o que Elias Pinto e Kotaro Tuji sonhavam escutar de um homem tão poderoso. Na íntegra, eis o discurso proferido por Getúlio Vargas, na Praça Monsenhor José Gregório, em agosto de 1950, editado no “Memórias de Santarém”, um importante encarte quinzenal criado pelo jornalista Lúcio Flávio Pinto para o jornal O Estado do Tapajós.
POVO DE SANTARÉM!
Nesta campanha de pregação cívica pela restauração nacional, revejo com carinho a vossa histórica cidade, marco indelével de fecundas penetrações que trouxeram ao grande vale amazônico os primeiros alvores da civilização e do progresso.
Desta vez, meu coração se enche de tristeza e de dor quando encontro sem solução os vossos problemas e sem cura os vossos males. Vejo que o labor dos vossos filhos não está encontrando as justas recompensas do esforço construtivo. Contemplo os vossos trabalhadores sem amparo, sem lar próprio, sem salários remuneradores. Por falta de auxílio do Governo, vossas lavouras não produzem o que a fecundidade do solo autorizaria esperar.
Apesar de tudo, porém, sinto, nos aplausos que me trazeis,e no caloroso afeto com que me distinguis, a esperança daqueles melhores dias que já tivestes antes e que, se eu for eleito, tudo farei para que voltem ao vosso lar.
Nunca deixei de confiar na bravura anônima do brasileiro que, nesta opulenta Amazônia, batalha pelo progresso da Nação, sem alardes, mas com denodo e persistência.Sem crédito eficiente nem ajuda eficaz, abandonado à própria sorte, o exemplo de vossa luta aumenta a minha fé nos destinos da nossa Pátria.
Foi sempre uma constante do meu governo a atenção e o desvelo pela Amazônia, e aí estão o Serviço Especial de Saúde Pública, com sua rede de hospitais; os aeroportos abrindo novas possibilidades econômicas; o Banco da Borracha que tantos serviços prestou em outra época ao desenvolvimento desta região; as verbas federais que mandei dedicar ao vale amazônico e que propiciaram tantas das realizações de que ele hoje se orgulha.
Se voltar à Presidência da República hei de prosseguir nos esforços pelo vosso progresso e no devotamento pela solução dos vossos problemas. A borracha está convenientemente amparada, dentro de programa condizente com o sistema que disciplina seu comércio mundial, aparelhando-se o Banco de Crédito da Borracha para prestar a seringueiros e seringalistas a assistência que eles necessitam para alcançar melhor padrão de existência.
Vossa lavoura encontrará financiamento adequado e oportuno que se estenda às indústrias extrativas de que tanto dependem muitos de vós. A juta, tão importante na vossa economia, será objeto de atenção especial. Nascida sob o impulso das medidas tomadas pelo meu Governo, essa lavoura só se desenvolveu nos últimos anos graças à vossa tenacidade e ao vosso corajoso empenho de vencer. A ela tem faltado o auxílio oficial que, muito ao contrário, só se expressa em atos de hostilidades, como o licenciamento que a Carteira de Exportação e Importação do Banco do Brasil tem feito, de importações excessivas que abastecem os mercados do sul e deixam o nosso produto em estoque e sem compradores. Esses são salários de fome. E a exportação da matéria prima, para ser industrializada muito longe, provoca a evasão de riqueza que produzia e dá a terceiros o melhor proveito do vosso esforço.
O que se precisa fazer, e urgentemente, é favorecer o beneficiamento e a industrialização da juta aqui mesmo na Amazônia. Oferecendo-se aos homens de iniciativa crédito fácil a prazos e juros convenientes; é auxiliar a lavoura para que obtenha da terra maior rendimento e, em função desses melhores resultados, possa aumentar o salário dos trabalhadores e dar-lhes vida digna e melhor que eles merecem; é proporcionar o amparo governamental necessário para que se complete, em harmonia e entendimento, o ciclo das relações da lavoura de juta com a indústria da sacaria, em benefício da economia nacional.
Esses são alguns dos pontos fundamentais do programa que farei executar, se o povo brasileiro me der a preferência dos seus sufrágios. E nele hei de por aquela mesma firme dedicação que sempre emprestei aos vossos problemas e às vossas dificuldades.
De uma coisa podeis estar certos meus conterrâneos de Santarém: se eu for eleito, as vossas necessidades encontrarão da parte do meu Governo o melhor empenho e a mais decidida simpatia. Só assim estarei cumprindo o compromisso que hoje solenemente aqui assumo, não convosco, que dele não precisais, porque sempre me destes a honra de nossa confiança, mas com a própria consciência de brasileiro, voltado permanentemente para o bem estar desta terra hospitaleira e generosa.
Getúlio eleito e empossado, Elias Pinto imediatamente solicitou uma audiência e se mandou com a cara e a coragem para o Rio de Janeiro, onde foi recebido pelo novo presidente, no Palácio Rio Negro, em Petrópolis. Esse fato é destacado no relatório deixado pelo Dr. Tsukasa Uyetsuka e publicado em 2011, durante as comemorações dos 80 anos da chegada dos Koutakuseis na Amazônia.
Diz um parágrafo do documento, na página 28: “Após a eleição, no começo de março de 1951, o Sr. Elias Ribeiro Pinto e o Sr. Kotaro Tuji, de Santarém, foram à capital federal, sendo recebidos em audiência por Sua Exa. O Sr. Presidente da República, no Palácio Rio Negro em Petrópolis-RJ, apresentando a petição manifestando desejo de construir uma fábrica de tecelagem da juta no local de origem do produto, em parceria com a Junta Assessora de Interesses Japoneses e Brasileiros”.
Elias cobrou pessoalmente a promessa da campanha e Getúlio não só confirmou tudo, como autorizou um financiamento do Banco do Brasil para que o maquinário da nova fábrica de tecelagem fosse todo importado, o que começou a acontecer já em dezembro de 1951, quando o primeiro lote das máquinas deixou o Japão a bordo do navio Africa-Maru.
Não demorou para Elias Pinto ter uma segunda reunião com o presidente Vargas, em 22 de setembro de 1951, dessa vez no Palácio do Catete, levando a tiracolo os amigos Kotaro Tuji e Tsukasa Uyetsuka. No novo encontro eles prosseguiram com as demandas para a instalação da indústria de tecelagem e solicitaram ao presidente, através de uma petição assinada por Uyetzuka e Tuji, a criação de um novo programa de imigração que objetivava trazer cinco mil novas famílias de japoneses para o cultivo da juta no vale do Amazonas.
A nova fábrica foi projetada para ser a maior de toda a região Norte e a solicitação de uma nova leva imigratória por Uyetzuka tinha sentido. Não havia mão de obra suficiente para o cultivo da juta e eles ainda precisavam cobrir um déficit de 15 mil toneladas anuais de fibra para que a fábrica trabalhasse com sua produção plena de projeto.
Com o pomposo nome de Companhia de Fiação e Tecelagem de Juta de Santarém (Tecejuta), a fábrica nasceu, ainda que só no papel, em 10 de novembro de 1951 e seu centro nervoso era um escritório acanhado na rua João Pessoa, 260, na centro de Santarém. Começou com um capital de 350 mil dólares e a promessa de um acréscimo de mais 500 mil dólares que deveria ser suprido por financiadores japoneses.
Para abrigar o novo empreendimento, foi adquirido um terreno de 25 mil metros quadrados (dois e meio hectares), cuidadosamente escolhido no afastado bairro da Prainha. Em 1951 aquele ainda era um lugar quase deserto da orla de Santarém, mas de localização estratégica por ficar de frente para a confluência dos rios Tapajós e Amazonas, o que facilitaria o recebimento da matéria prima e a exportação da sacaria produzida. A planta técnica e arquitetônica chegou do Japão em 1952 e a importação do maquinário estava dentro do cronograma para que a Tecejuta rodasse em 1953, com a promessa de uma nova visita do presidente da República, na solenidade de inauguração.
Segundo consta da publicação “Memórias de Santarém”, a pedra fundamental da fábrica foi lançada em 7 de dezembro de 1952, e o relatório cheio de otimismo da diretoria, dava conta que “ todos os esforços serão conjugados na construção do edifício industrial da empresa, em terreno já escolhido, como também a importação das máquinas encomendadas, necessárias ao funcionamento da fábrica”. Mais adiante, no mesmo relatório, a diretoria concluía: “é bem possível que em 1953 o estabelecimento fabril venha a funcionar, coroando de êxito os esforços despendidos e proporcionando os resultados esperados”.
A construção das instalações da Tecejuta ficou sob a responsabilidade do conhecido engenheiro paraense, Agenor Penna de Carvalho, mas por emperramentos burocráticos na importação do maquinário e muito pelas dificuldades que próprio Getúlio já enfrentava para governar, começaram a ocorrer alguns atrasos.
A direção da fábrica, tendo Elias Pinto como um dos diretores, continuava esperançosa e não abria mão de inaugurar a unidade pelo menos antes do termino do mandato do presidente, no final de 1954. Mas em agosto daquele ano Getúlio Vargas se suicidou com um tiro no peito e o projeto da Tecejuta ficou numa encruzilhada. Uma parte dos investimentos já tinha sido aplicada, mas não havia o mesmo entusiasmo dos novos donos do poder pelo projeto.
É importante dizer que os encontros com Getúlio Vargas, todos fartamente documentados nos jornais da época, e a carta branca dada pelo presidente para a implantação da Tecejuta, fizeram de Elias Pinto o político de maior prestígio no município e também o mais visado pela elite formada pelos descendentes dos colonizadores portugueses. Ela não perdoava sua liderança e o tratava com certo menosprezo por ele ser um “arigó”, termo pejorativo fartamente usado para apelidar os nordestinos e seus descendentes.
Getúlio, como deixou escrito em sua carta testamento, já tinha saído da vida para entrar na história e a oposição de Santarém se esganiçava contra o projeto da fábrica, que prosseguia a passos de cágado. Um pouco desiludido com os rumos tomados, mas muito mais levado pelo idealismo, Kotaro Tuji deixou seus negócios de Santarém para o irmão-sócio Kohei tomar conta e se mudou para Belém. Foi tocar outros assuntos de interesse da colônia nipônica do Pará, sendo um dos seus maiores feitos a criação da Associação Nipônica e o Hospital Amazônia.
O carismático Elias Pinto, mesmo com o rei Getúlio morto e posto, continuava com muito prestígio e se elegeu, pelo PTB, o sexto deputado estadual mais votado, na eleição de 1954. Foi o trampolim para que ele, um dia, chegasse à prefeitura de Santarém, em 1966, após duas tentativas malogradas. A primeira em 1958 e a outra em 1962, nas quais ele não cansava de dizer que tinha sido solenemente garfado por manobras da mesma elite que não suportava sua liderança.
Coincidência ou não, o ano em que Elias Pinto tomou posse como prefeito de Santarém, foi o mesmo em que a Tecejuta realizou o primeiro embarque da sua produção, num navio da Companhia Costeira, que era estatal(e hoje não existe mais). A empresa já pertencia a outro grupo e o carregamento se deu na madrugada chuvosa do dia 11 de março de 1966, quase dezesseis anos depois que Getúlio Vargas fez a promessa pública de instalar a fábrica, e num momento em que o ciclo da juta do Baixo Amazonas, já estava em franco declínio.
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